Alain Gagnol é o autor da animação “Nina e o Segredo do Ouriço”, já nos cinemas.
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Já está nos cinemas a animação “Nina e o Segredo do Ouriço”, produção francesa de grande qualidade, destinada a um público jovem, mas com um fundo social e mesmo político que o torna também atrativo para todos os públicos. No filme, Nina é uma menina curiosa que sempre alimentou a sua imaginação com as histórias divertidas do ouriço do seu pai, um relojoeiro que se esforça para sobreviver. Depois de ouvir alguns rumores sobre um tesouro escondido, Nina e seus amigos envolvem-se numa aventura que mistura realidade e fantasia. Estivemos em Paris a conversar com Alain Gagnol, argumentista e corealizador do filme.
“Nina e o Segredo do Ouriço” é uma animação lúdica para jovens, mas com conteúdo social e político. Como conseguiu equilibrar essas duas vertentes?
O contexto social traduz-se no pai da Nina, está tão triste que já não consegue contar histórias à filha. O social passa pelo humano. É um contexto que as crianças podem experienciar na sua vida de todos os dias. Quando uma família está com dificuldades financeiras, as crianças sentem-no também. Elas não vivem numa bolha. Só que por vezes não o compreendem bem, porque os pais não lhes querem explicar em pormenor.
Esta abordagem mais social, mais rara nos filmes de animação, não colocou problemas de financiamento ou junto dos produtores?
Não tive problemas, o meu produtor estava no mesmo comprimento de onda. Pelo contrário, era mesmo algo que o interessava, também. É alguém que também produz muitos documentários, por isso está habituado a trabalhar questões societárias. Foi a primeira vez que produziu uma longa de animação para o cinema, mas sentiu que ia na continuidade do seu trabalho. Foi na mesma lógica do que estava habituado a fazer.
O Alain corealizou o filme com o Jean-Loup Felicioli, com quem mantém uma relação artística já de longa data. Como é que dividem as tarefas?
A nossa primeira curta-metragem data já de há quase trinta anos. E dividimos o trabalho quase sempre da mesma forma. Eu escrevo o guião sozinho, depois envio aos produtores e vou avançando no trabalho de escrita. O Jean-Loup ocupa-se do grafismo e fá-lo sozinho no seu canto. Mas vamos sempre discutindo. Depois de termos essas duas bases eu faço um storyboard, com desenhos muito simples, criando assim a coluna vertebral do filme.
Como é que se chega ao resultado final?
O Jean-Loup substitui os meus desenhos pelo grafismo dele, pelo visual definitivo das personagens. Mas também pode mudar a posição da câmara e questões técnicas como essa. É por isso que o resultado final é uma boa mistura do trabalho de nós dois. Há um pouco dos dois por todo o lado.
Quando escreve, imagina o filme visualmente, como qualquer argumentista de imagem real. Ao ver o resultado no ecrã deve ser bastante emocionante.
É sempre mágico para mim, ver o que conseguimos fazer juntos. Com esta já são três longas-metragens para cinema e fizemos umas quinze curtas. De cada vez que terminamos um filme é sempre maravilhoso quando vemos o filme no grande ecrã, sobretudo quando já tem o som. Nunca se deve menosprezar a importância da música e dos sons, é lá que um filme ganha vida.
Há algo que distinga este filme dos outros que já fizeram?
Desta vez a história passa-se no campo. Os outros filmes passavam-se em Paris ou Nova Iorque, em ambientes mais urbanos. Aqui o Jean-Loup teve de mudar bastante o grafismo, para criar a natureza. Foi essa a grande surpresa do filme.
O grafismo do filme é bastante infantil, no bom sentido. Pensaram em algum escalão etário em particular, quando começaram a trabalhar no filme?
Quisemos que as crianças a partir de cinco anos se pudessem interessar pelo filme. É por isso que há vários níveis de leitura. O fundo social, que pode ser bastante duro, é o pano de fundo. O mais importante é o espírito de aventura e o humor, com muita cor e muito ritmo. Fizemos várias projeções e havia mesmo crianças com menos de cinco anos que estavam a gostar do filme. Tudo depende dos pais, eles é que sabem que espetadores têm em casa.
De onde vem a ideia do ouriço?
Ao princípio hesitei. Não sabia se iria ser um coelho, por exemplo. Queria prestar homenagem aos animais dos velhos cartoons, como os primeiros Mickey. E quando pensei nos espinhos do ouriço, no seu dorso redondo cheio de espinhos, achei que graficamente podia interessante. Teria uma silhueta muito particular.
Quando o ouriço sai do ecrã faz-nos pensar também em vários pioneiros que misturavam animação e imagem real. Aqui é animação dentro da animação.
A minha ideia foi mais no sentido da imaginação que sai do real. Não inventei nada, mas é isso que é maravilhoso na animação, estamos num meio puramente cinematográfico. É tudo ilusão. Houve mesmo pequenos espetadores que me perguntaram como é que o ouriço conseguia sair da folha. O cinema é magia.
O filme é também, nesse sentido, uma homenagem ao poder da animação.
Essas imagens a preto e branco são uma novidade para as crianças de cinco anos. Para nós, adultos, diz-nos qualquer coisa. Mas é sempre interessante propor aos espetadores qualquer coisa que não estejam habituados a ver.
Nas vozes originais estão atores como a Audrey Tautou e o Guillaume Canet. Já concebeu as personagens a pensar neles? Quase que os reconhecemos.
Não, as personagens já estavam desenhadas antes. Mas o que diz mostra o poder da voz. Nos nossos outros filmes também nos diziam que as personagens se pareciam com os atores. A voz tem uma presença tão forte que acaba por absorver as personagens. E é claro que ao escolher as vozes também temos em atenção essa possível semelhança com os desenhos. Mas há as duas coisas, as personagens apropriam-se das vozes e estas vampirizam os desenhos. Se funciona, é a magia do cinema, estou sempre a dizê-lo.
E as vozes das crianças, como foram escolhidas? Já tinham experiência de dobragem?
O jovem já tinha feito algumas coisas, mas a que faz de Nina foi a primeira vez. Tinham dois estilos muito diferentes, ele era muito profissional, ela foi mais difícil de manter concentrada. Mas foram os dois soberbos. Tinham os dois nove ou dez anos, mais ou menos a idade das personagens.
Na construção desta história há alguma coisa da sua infância?
A única coisa que vem da minha infância é a relação com a imaginação. Sou filho único, passei toda a minha infância a inventar histórias, sozinho no meu quarto. Também já desenhava um pouco. Essa relação entre a realidade e o imaginário, essa mistura dos dois, é a minha vida de todos os dias. Vivo muito no mundo da imaginação. Nesse sentido, sinto-me muito próximo da Nina.
Era este tipo de histórias que os seus pais lhe contavam?
Não me lembro bem. Não sei se me contavam muitas histórias. De qualquer forma, não tenho grandes memórias da minha infância. Mas interessei-me pela leitura desde muito cedo. Mergulhei muito cedo na leitura.
Já pensou escrever ficção para filmes de imagem real?
Já fiz uma curta-metragem em imagem real, com atores, precisamente para experimentar, porque é uma coisa que me interessa muito. Mas é muito diferente, sobretudo no momento da rodagem. Escrever um guião é semelhante, a pós-produção é semelhante. Mas filma-se em algumas semanas, enquanto na animação estamos três anos a fazer um filme.
Qual é o estado atual da animação em França?
O que é interessante na animação em França é a diversidade da nossa produção. Do ponto de vista temático e gráfico. Ao contrário do que acontece na indústria americana e mesmo na japonesa. Fazem filmes muito bons, mas que têm tendência a parecerem-se muito uns aos outros. Em França ainda fazemos muitos filmes desenhados à mão, o que é bom, porque não concorremos com ninguém.
E quais são os principais problemas por que passa a animação francesa?
A dificuldade é que, com filmes como o nosso, por comparação aos filmes em 3D, é preciso que as crianças façam um esforço para os verem. É preciso que os pais os convençam. Depois até gostam bastante. Mas têm tendência a só irem ver filmes da Pixar ou da Disney. É difícil encontrarmos o grande público. É uma questão cultural. Os 3D, o digital, esmagaram culturalmente tudo o resto, que quando propomos algo de diferente, o olhar das crianças não acha tão bem. Porque não estão habituados.