Os canadianos Arcade Fire encerraram em tom de celebração a 10.ª edição do NOS Alive que, em 2017, estará de volta nos dias 6, 7 e 8 de julho.
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Se Win Butler e Régine Chassagne não se apaixonassem em 2001 isto nunca teria existido. Nós não estaríamos há mais de dez anos a sentir aquele deleite e beatitude. Ainda bem que se conheceram e que daquele fogo nasceu este música que muitas vezes parece uma espécie de sopro morno que nos entra nos ouvidos e desliza pelo resto do corpo, espalha-se pelas células, bate forte no coração e no cérebro. E que nos faz sentir vivos.
Isso parece muito bonito mas a verdade é que tal não acontece em todas as canções. Se os Arcade Fire nos enviam aquela pista de dança reluzente dos últimos trabalhos parece que há algo que ali falta. Isso sentiu-se no concerto em Algés, ali num ou outro momento. Mas em "Afterlife" abriu-se o céu: Régine bailou prateada e Win debruçou-se no seu fato branco a perguntar para onde é que o amor vai depois de ir embora. E 55 mil dançavam a sua interrogação.
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Foi a partir do órgão redentor de "Intervention" - e com Win Butler cantar "God save the queen" num registo acústico - que começou a semear-se calor nos olhos. "We used to wait", uma canção que versa o ritmo pré-digital, aquele tempo em que enviávamos cartas pelo correio, depois de lamber o selo, bateu como uma nuvem. "No cars go" aumentou a comunhão e "Ocean of noise" surpreendeu com a aparição dos Calexico.
Mas foi a seguir que veio a porrada a sério: o milagre "Neighborhood #1 (tunnels)" ou "Rebellion (lies)", primorosamente executadas, antes de 55 mil corpos transpirados se roçarem em "Here comes the night time" e a fervescente "Wake up". Acabou tudo numa celebração imensa, gente a dançar com a cabeça perdida no interior do seu próprio coração.
E o ritmo não abrandou com a chegada dos M83, comandados por Anthony Gonzalez numa viagem sideral de teclados e sintetizadores, mas que desce à terra com as guitarras, bateria e até saxofone. Dois universos que se mesclam em palco e no público, abrindo caminho à evasão da mente enquanto o corpo sucumbe a um enérgico chamamento festivo.
Ainda os M83 não tinham lançado "Midnight city", trunfo maior, e já se viajava para um planeta chamado Grimes. A estreia da canadiana foi um sucesso retumbante, com o palco Heineken a registar a maior enchente desta edição. E uma enchente de fãs que acolheram calorosamente cada tema, dos mais recentes "Realiti" ou "Venus fly" aos incontornáveis "Genesis" e "Oblivion".
E para lá das canções há Grimes, ou melhor, Claire Elise Boucher. Ar de desenho animado japonês hiperativo, menina-força da natureza com a capacidade de surpreender com uma voz fina e doce ou com gritos agudos que desafiam o (indesejável) bom senso, embalada por uma eletrónica fervilhante, ora violenta ora onírica.
Não é tarefa fácil perscrutar ou etiquetar o trabalho de Grimes, que parece saída de um outro espaço e tempo, de uma realidade paralela com a capacidade de nos confundir e fascinar. Dúvidas houvesse, é recordar "Ave Maria", de Schubert, momentos antes da explosiva "Kill v. maim".
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Enquanto se aguardavam as chegadas dos Arcade Fire e de M83, os Calexico assinaram um dos melhores concertos desta edição do NOS Alive.
A banda atuou no palco da tenda Heineken e sintetiza tudo aquilo que Donald Trump odeia: uma América temperada a hispanismo, fervor latino e um certo mosaico multicultural. Os Calexico laboram uma música plena de perfumes de cumbia, salsa e mariachi. Em quase uma hora tocaram "Frontera / Trigger", "Minas de Cobre", "Bullets & Rocks", "Guero Canelo" (com uma visita a Manu Chao) ou "Crystal Frontier". Joey Burns, o estratega da banda, despediu-se a desejar-nos boa sorte para o jogo deste domingo.
O palco principal arrancou em português com Agir, o único músico luso a pisar o palco NOS nesta 10.ª edição do festival. "Obrigado por virem tão cedo para me ver", atirou, para uma fila da frente cheia de fãs que entoavam as canções na ponta da língua. "Leva-me a sério", a canção que empresta o título ao último trabalho do músico (e aquele que o popularizou junto do público), "Deixa-te de merdas", "Nada" ou "Mountains" (no original com Carolina Deslandes) fizeram parte de um alinhamento que contou ainda com uma surpresa: "Meu fado", na companhia de duas guitarras portuguesas.
Filipe Gonçalves juntou-se a Agir para "Ela só quer" e "Makeup/ One night stand" ficou reservada para o final.
Os também portugueses Paus, presença assídua "de dois em dois anos" no festival, conforme o baterista Hélio Morais fez questão de destacar (e agradecer), trouxeram "Mitra" ao palco Heineken, com a bateria siamesa a cavalgar com estrondo os ouvidos da multidão. "Pela boca", primeiro single de "Mitra", editado este ano, tem uma letra mínima, mas a frase-bastião - "É a fome que nos une, é/ é a sede que nos junta..." - tem a capacidade de ressoar acima da intensa vaga instrumental. E neste novo disco não só as vozes ganharam espaço, como há canções mais dançáveis com efeito visível ao vivo. "Mo people" e "Fumo" são disso exemplo. Como Joaquim Albergaria (o outro siamês da bateria) disse em entrevista a um jornal, este novo trabalho "não te vai ao peito e à cara, vai-te mais às ancas." E nós só temos a agradecer.
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NOS Alive 2017 já tem datas
Numa conferência realizada ao final da tarde, o presidente da câmara de Oeiras, Paulo Vistas, mostrou-se um homem feliz com a festa no seu concelho e considerou que o festival foi "um sucesso pela qualidade e pela segurança". O autarca elogiou o contributo de todos os agentes de autoridade envolvidos na operação de zelar pela segurança e escoamento de 55 mil pessoas por dia.
Este ano, a organização vendeu 31.946 bilhetes para o estrangeiro. Álvaro Covões, o promotor do NOS Alive, frisou que foram vendidos ingressos para 88 países. O festival desencadeou também interesse nos media: estiveram 496 jornalistas a trabalhar no recinto. Desses, 116 eram estrangeiros.
A próxima edição já tem datas marcadas: a 6, 7 e 8 de julho de 2017, o festival voltará ao Passeio Marítimo de Algés.