Batalha Centro de Cinema, no Porto, exibe 23 longas-metragens de Pedro Almodóvar. O retrospetiva começa sexta-feira e vai até 9 de julho. “É uma obra inevitavelmente política”, diz o curador Guilherme Blanc.
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Mulheres resilientes, figuras marginais, amantes obsessivos e corpos em transição, todos a pulsar num universo onde a emoção é sempre levada à histeria. Assim é composto o coração do cinema de Pedro Almodóvar onde as suas personagens - figuras maiores do que a vida, cuja complexidade, desejo e fragilidade atravessam décadas de filmografia e permanecem gravadas na memória coletiva.
É a proposta de “A paixão segundo Almodóvar”, ciclo que o Batalha Centro de Cinema abre sexta-feira e projeta até 9 de julho.
É a maior retrospetiva de sempre no Porto à volta do cineasta espanhol de 75 anos, com o cardápio das 23 longas-metragens que valeram a Almodóvar dois Oscars, cinco Goyas, cinco BAFTAs, quatro Césares e, recentemente, o prémio honorário Donostia do Festival de San Sebastián.
As musas do cineasta - Marisa Paredes, Carmen Maura, Victoria Abril, Rossy de Palma, Penélope Cruz - são o espelho das obsessões, alegrias e feridas de Almodóvar. São elas quem conduz o espectador pelas temáticas da maternidade, da identidade de género, da sexualidade e da marginalidade.
Uma galeria universal
É uma galeria de figuras icónicas, reflexo de um país em transformação e de um cinema que ousa dar voz a quem raramente a teve. São seres superviventes: Manuela (Cecilia Roth), a mãe-coragem de “Tudo sobre a minha mãe”, que atravessa Madrid em busca do pai do seu filho; Becky del Páramo (Marisa Paredes), a diva decadente de “Saltos altos”, cuja voz e presença assombram a vida da filha. Ao lado de Agrado (Antonia San Juan), com o seu monólogo sobre a verdade construída, símbolo da autoafirmação trans num tempo em que pouco se falava disso; e Raimunda, (Penélope Cruz) em “Voltar”, verdadeira heroína popular que enfrenta o peso do passado e da morte com força quase mítica; ou ainda Benigno (Javier Camara), de “Fala com ela”, talvez a personagem mais desconcertante da sua filmografia, encarnando uma visão perturbadora da solidão e do desejo.
Fiel ao seu compromisso de aprofundar o olhar sobre os grandes cineastas, o Batalha Centro de Cinema inclui todas as longas-metragens do cineasta - à exceção da primeira, “Folle... folle” (1978), considerada perdida - permitindo ao público viajar por mais de 40 anos de um singular cosmos cinematográfico.
Uma obra de voz política
O desenho do ciclo procurou equilibrar títulos consagrados com obras menos conhecidas ou raramente exibidas, oferecendo a leitura integral da evolução estética, narrativa e política de Almodóvar. Como explica o curador e diretor do Batalha, Guilherme Blanc, “a retrospetiva arranca de forma simbólica com ‘Saltos altos’ e ‘Tudo sobre a minha mãe’, dois filmes que celebram a colaboração essencial entre o cineasta e Marisa Paredes, recentemente desaparecida”.
A partir daí, a filmografia desenrola-se cronologicamente, revelando as transformações do seu cinema e o modo como refletiu diferentes contextos pessoais, sociais e culturais.
Outro dos eixos da viagem é a cor - elemento narrativo central em Almodóvar - e a forma como o realizador a utiliza em tributo ao próprio cinema. Blanc destaca “Tudo sobre a minha mãe” como exemplo dessa dimensão visual - o omnipresente vermelho evoca a paixão e o sangue, mas é também uma referência direta a Hitchcock e Cassavetes.
As questões de género, identidade e marginalidade trespassam toda a obra e são hoje revisitadas sob novas lentes. “Almodóvar nunca quis fazer um cinema político direto”, explica o curador, “mas a sua obra é, inevitavelmente, política ao dar voz a quem o franquismo e a sociedade tentaram apagar”.
Neste sentido, a retrospetiva é também um convite a reler essas temáticas à luz dos debates atuais, quando as liberdades individuais voltam a estar sob ameaça.
A El Deseo, produtora de sempre de Pedro Almodóvar, garantiu liberdade curatorial total à direção do Batalha. A proposta foi clara: permitir que o público português, há muito rendido ao universo do espanhol, possa revisitar toda a sua filmografia, navegando livremente entre clássicos e obras raras.
As datas dos oito filmes já programados
"Tudo sobre a minha mãe": 21 de março, 21.15 horas (repete a 2 de abril)
“Saltos altos”: 23 de março, 19.15 horas (repete a 6 de abril)
“Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón”: 28 de março, 21.15 horas
“Labirinto de paixão”: 30 de março, 17.15 horas
"Negros hábitos": 5 de abril, 21.15 horas (repete a 30 de abril)
"Que fiz eu para merecer isto?": 19 de abril, 19.15 horas
"Matador": 23 de abril, 19.15 horas
"A lei do desejo": 26 de abril, 21.15 horas