A frase saiu a Eduardo Souto de Moura várias vezes: "O que admiro no Siza...". Primeiro, referiu a "capacidade que ele tem de se renovar"; mais tarde, louvou-lhe o "método", para concluir, à frente, talvez com a mais surpreendente das evocações: "Para dizer a verdade, a coisa que mais admiro no Siza, que é um elogio, é a dificuldade que tem a fazer arquitetura. Vê-se aflito! E isso é genial".
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Estamos na primeira parte da conferência "Diálogos cruzados", que encheu na sexta-feira o Auditório de Serralves, no Porto. Era a vez de Souto de Moura, acompanhado por Kenneth Frampton - arquiteto e historiador fundamental na divulgação internacional da arquitetura portuguesa -, falar do trabalho de Álvaro Siza, a propósito das exposições retrospetivas que ambos têm a decorrer no Grande Porto [ver texto ao lado].
No dia seguinte, na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, os papéis inverteram-se e foi Álvaro Siza, sentado ao lado do historiador Francesco Dal Co, a recordar aos presentes, num salão também apinhado de gente, como o impressionou a "segurança" do jovem Souto de Moura quando se conheceram. Portugal vivia o pós-25 de Abril e foi o então estudante de Arquitetura a procurá-lo para o convidar a participar no SAAL (Serviço de Ambulatório de Apoio Local). "Tinha um conhecimento vasto que não se circunscrevia à arquitetura", lembrou Siza. Eram os primeiros sinais da procura de uma "globalidade" que Siza vê na arquitetura de Souto de Moura: "o que ele desenha tem esse abraço na paisagem".
Separação "decisiva"
Ao fim de cinco anos a trabalhar no ateliê de Siza, de colaborar em projetos como o do Bairro de São Victor, no Porto, ou da Malagueira, em Évora, Souto de Moura encontra a porta de saída.
"Despediu-me, entre aspas. Percebeu que, se eu quisesse ser arquiteto, não podia sê-lo lá, na casa dele. Foi decisivo, senão nunca teria sido arquiteto", recorda Souto de Moura ao JN, à margem da conferência. A amizade entre os dois nunca cessou, numa relação pontuada por humor, ironia e algumas picardias, "sempre salutares", diz. "O Siza ficou escandalizado quando lhe disse que o meu arquiteto preferido era o Mies [van der Rohe]", contou Souto de Moura em Serralves. Para Siza, as referências eram outras: Alvar Aalto, Frank Lloyd Wright, Adolf Loos.
Em 1988, Siza Vieira ganha o Prémio Mies van der Rohe. Quando chega ao Porto, diz ao amigo: "Eduardinho, ganhei um prémio que você gostaria muito!" Mas o prémio que, acima de todos, ambos gostaram de receber foi o Pritzker, considerado o Nobel da Arquitetura, que Siza venceu em 1992 e que Eduardo Souto de Moura ganharia em 2011.
Novo projeto a caminho
Os ateliês de ambos separaram-se, mas foram vários os projetos conjuntos. O pavilhão que fizeram para as conceituadas galerias Serpentine, em 2005, inaugurou a colaboração: "do nosso trabalho em equipa surge uma espécie de alter-ego duplo e o que fazemos não é propriamente influenciado pelo outro, mas o resultado de sermos dois a discutir", reflete Siza. É "uma espécie de jogo de xadrez", compara Souto de Moura ao JN. "Consciente ou inconscientemente, todos querem ganhar. O que é certo é que nunca há uma imposição", conclui. A base da relação é uma: "nenhuma cerimónia". Fórmula que se repetirá no futuro: Souto de Moura anunciou, no sábado, que ambos aceitaram um novo projeto, sem adiantar, contudo, mais pormenores.
Parceria
Serralves e Casa da Arquitetura vão ficar ainda mais próximas
Na abertura da conferência "Diálogos cruzados", o diretor do Museu de Serralves, Philippe Vergne, disse estar "muito feliz" com a colaboração das duas instituições. "Que seja a primeira de uma longa série", afirmou em português. Nuno Sampaio respondeu ao "desafio" garantindo a disponibilidade da Casa da Arquitetura. Álvaro Siza e Souto de Moura aplaudiram a parceria. "Agora também devia haver qualquer coisa com Lisboa. É preciso mais trabalho em conjunto em Portugal", rematou o segundo ao JN.