Maria parecia carregar nas olheiras cinzentas o peso do regime. Não sorria, usava os gestos como escudo. Mas enclausurava-se numa pele chocolate com leite levemente tapada por um top azul-clarinho, como convém a quem pomposamente se auto-intitula agente de promoção turística (doravante designado de APT).
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Título meio bafiento, mas que a sapiência do dirigismo político cubano achou por bem inscrever no léxico diplomático. Em Varadero, paraíso de veraneio de uma Cuba onde até Marx se sentiria um capitalista, são eles que ditam as regras. Eles, os APT.
Maria arrastou consigo alguns curiosos: curiosos amantes da pesca submarina, curiosos amantes do "snorkeling", curiosos amantes de um país que vive a dupla condição de amarrado-desamarrado. A Cuba de Maria não era a amarrada.
Não era, por exemplo, a Cuba que o seu companheiro (ou camarada?) Javier exibia, ao envergar, peito cheio, um camuflado militar inspirado no guarda-roupa de Fidel Castro. Javier era a Cuba amarrada. Com ele seguiram poucos. Apenas os que acharam graça à circunstância de haver um APT que promovia, simultaneamente, as águas tépidas e as areias claras e distribuía panfletos com imagens dos presos políticos cubanos que o opressor norte-americano mantinha em paradeiro incerto.
A história de Maria, duas horas depois: mãe solteira, educadora de duas meninas, professora de Biologia, APT por obrigação. Ganhava o equivalente a 100 euros mensais pagos pelo Estado, mas as gorjetas (parte das quais também vertia em favor do espírito da revolução) ajudavam-na a compor o orçamento familiar. O dela e de uma família vizinha do mesmo prédio de classe média onde habitava.
Mas no castelhano de Maria não se ouvia o lamento dos oprimidos. Maria não falava de Cuba como uma ditadura. Maria falava de Cuba como o país dela, o país onde era possível ser feliz, a um domingo à tarde na praia, com um tacho de arroz e uma garrafa de rum. A Cuba desamarrada pela liberdade de sonhar.