Se há uma altura do ano em que a publicidade ganha especial destaque é no Natal. Juntam-se os melhores criativos e há anúncios capazes de criar frases feitas para gerações futuras ou arrancar lágrimas. Este ano, arrumados no sofá, capazes de nos entregarmos ao enternecimento, deu-se o insólito: não nos comovemos, só nos indignamos.
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O estranho ponto de inflexão acontece quando uma marca apresenta um anúncio em que uma criança quer um boneco de neve. Até aqui tudo conforme: uma criança adorável que deseja um boneco de neve corresponde aos critérios de doçura da quadra. Mas o guião transforma-se: criança caprichosa com pais inexcedíveis só fica feliz com realidade virtual. E a comoção dá um estranho lugar à indignação. Quando é que se tornou normal que uns pais ofereçam aos filhos quatro vezes a mesma prenda, em versão melhorada, e eles a continuem a negar? O Natal não é sobre gratidão?
Por outro lado, quando é que a realidade virtual se tornou superior a qualquer experiência palpável? Algures no tsunami pandémico, uma outra realidade tornou-se normal também para os mais novos, mas não exageremos.
Uma outra campanha publicitária junta cinco causas sociais à mesa de Natal. Paremos um pouco. Por definição, uma causa social implica soluções e projetos que indivíduos ou organizações defendem para combater determinado problema social. Qual é o problema social de uma pessoa altamente inspiradora que aos 67 anos aproveitou a reforma para se dedicar ao triatlo? A história merece ser contada? Sem dúvida. Mas qual a causa social inerente a um homem às portas da senioridade ser um atleta formidável? Deviam todos os seniores praticar desporto? Será esta a causa social mais premente? Qual a relação com o Natal?
Há uns anos, o anúncio do exercício de um avô para pegar na neta no Natal comoveu o Mundo, sendo usado por várias marcas:
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Na nova era, a partir de que idade se é sénior? Há um século morria-se em média aos 35,6 anos, atualmente é aos 81,6 anos. Feitas as contas, aos 19 anos estavam na terceira idade. Que idade teria este adorável avô?
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E o atemporal Ambrósio:
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Este anúncio é tão bom que teve uma sequela em 2005:
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Este Natal, inevitavelmente, haverá menos avós na ceia. Uns porque são pó de estrelas, outros porque estão do lado de lá das regras pandémicas.