Clássico de Camilo Castelo Branco vai a palco pelo Teatro do Bolhão. Está em cena no Teatro Carlos Alberto, no Porto, até 10 de novembro.
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“Estas personagens não são boas nem más e o livro não é moral nem imoral. É amoral, vivo, complexo. Coisas que nos interessam para fugir às polarizações do presente”. Um clássico nunca se cala, acrescenta algo em cada época, diria Italo Calvino.
E Maria João Vicente, que encena a mais recente visão cénica sobre “Amor de perdição”, de Camilo Castelo Branco, quis também esse diálogo com o agora – aceitando integralmente o discurso do passado.
Não há grandes simplificações nem reescritas, que seriam também legítimas – o texto que é expoente do romantismo português é conservado na sua forma original, do século XIX, pela adaptação de Constança Carvalho Homem.
“Quisemos clareza”, diz a encenadora, que aponta alguns eixos da obra que são intemporais: “O inconformismo da juventude, a forma como enfrenta a sociedade. E, se quisermos algo que é mesmo de agora: a mulher que diz não”.
Desafio lançado pelo São João ao Teatro do Bolhão, o espetáculo segue o amor proibido de Teresa e Simão, membros de famílias rivais, os seus obstáculos, conflitos e privações, que conduzem a um desfecho fatal.
“O amor aprisiona ou liberta?”, pergunta Maria João Vicente, e a questão ecoa também por todos os séculos que passaram e que hão de vir.
Em cena, há uma espécie de rampa com forma elíptica, “um dispositivo que serve todos os ambientes”, explica a encenadora. E o texto vai sendo debitado, por atores como Rita Reis, Vicente Gil, Anabela Sousa, Bernardo Gavina, João Cravo Cardoso, Leonor Reis, Pedro Couto ou Matilde Cancelliere, numa dinâmica alternada entre diálogos e narração, um fluxo contínuo através do romance de Camilo.
Curiosidade nos figurinos são as botas de cano alto. Todos têm botas, todos as calçam e descalçam. Às vezes, é disso que nos lembramos num espetáculo passado muito tempo: de uma marca, de um signo, de um par de botas.