“A Madrugada que eu esperava” junta as duas cantoras numa história ao estilo de “Romeu e Julieta” passada no tempo do Estado Novo.
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Em ano de celebração dos 50 anos do 25 de abril, “A Madrugada que eu esperava” é uma história de amor em tempos de revolução: um conto ao estilo de “Romeu e Julieta”, com o Estado Novo e a Revolução dos Cravos como pano de fundo e a luta “inacabada” pela democracia como tema. Bárbara Tinoco e Carolina Deslandes, autoras, juntas e irmãs em palco, cantam, dançam, representam e até trocam de personagem no musical que estreou esta quarta-feira no Teatro Maria Matos em Lisboa e por lá fica até 28 de abril – para chegar ao Coliseu do Porto a 30 e 31 de maio.
A ideia nasceu há anos, logo que as duas artistas se conheceram, explicam ao JN. “Foi a primeira ideia que tivemos; ficámos amigas e logo dissemos; vamos fazer um musical. Quatro anos depois demos os primeiros passos, encontrámos um escritor, escrevemos canções, a Força de Produção gostou da ideia e aqui estamos”, resume Tinoco.
A história foi uma sugestão do autor do texto, Hugo Gonçalves, escritor de quem já eram fãs. O tema “tinha de ter amor, sendo o projeto nosso”, brincam. O enquadramento surgiu “porque o Hugo tinha acabado de escrever um romance muito bonito, “Revolução”, sobre o 25 de abril. E como tinha tanta pesquisa, e estamos a celebrar os 50 anos, fez todo o sentido”, acrescenta Deslandes.
Nada é eterno
“Nada é eterno, nem o amor nem a democracia. Tanto um como outro são trabalhos inacabados”, diz a dado ponto um personagem principal. O mote do musical é este: por base, a universal história de amor, onde os protagonistas são obrigados a enfrentar a discordância entre o que sentem e o que acreditam, ao estilo do invocado clássico de Shakespeare. Também aqui há enganos, conflitos familiares, protagonistas em lados opostos da história.
Como fundo, a reta final do Estado Novo; a narrativa escrita por Gonçalves começa em 1971, num Portugal oprimido, dando-nos a conhecer Olívia, uma idealista apelidada de “subversiva” que vende livros proibidos na loja do seu pai e Clara, a sua dócil irmã. Juntas, acalentam o sonho de fazer um espetáculo de “Romeu e Julieta”, onde conhecem Francisco, protagonizado pelo ator Diogo Branco (neto de José Mário Branco), por quem Olívia se apaixona.
Entre os dois, há mais do que discordâncias: Olívia é uma aguerrida feminista, acredita em direitos iguais numa sociedade onde uma mulher que use calças é recriminada. Francisco é um aspirante a humorista mas vem de uma educação rigorosa e de um seio familiar que o coloca no lado oposto.
Carolina e Bárbara dão corpo a Olívia e a Clara, alternando os papéis a cada noite em cena. Um desafio adicional, a juntar aos muitos que o projeto lhes trouxe. “Como dançar, representar, aprender o texto e saber descolar das palavras, dar-lhes vida e intenção” resume-nos Deslandes.
As músicas, tocadas com banda ao vivo, foram compostas por ambas e incluem o tema título, baseado no poema de Sophia de Mello Breyner. O resultado é um espetáculo vivo, acessível mas impactante, com marcas da PIDE e da guerra e uma mensagem que ambas destacam. “O Hugo tem uma frase que é ‘o direito à liberdade vem com o dever da memória’. E este espetáculo é a memória”, diz Tinoco. “De como há coisas que as mulheres passavam há 50 anos que ainda parecem ser assunto - o ter ou não filhos, o como se apresentam”, adianta a cantora.
É também memória da falta de liberdade e do fascismo, gritado em palco com “nunca mais”. Bárbara Tinoco lembra: “sou mais nova do que o resto da equipa e não sei o que é não ter liberdade. Sei da história, investiguei, não senti. Este espetáculo deu-me a oportunidade de perceber e vai dá-la às pessoas mais jovens – não precisam de ter oito ou 18 anos, podem ter 25 anos, como eu –, de pensar sobre o que é não ter liberdade; e que as decisões do meu país são um direito e um dever meu”, conclui. Ou que “estes 50 anos de caminho ainda estão no início de um caminho muito longo”, corrobora Deslandes.
O elenco, escolhido em parte em casting aberto, conta ainda com Brienne Keller, Dinarte Branco, JP Costa, João Maria Pinto, Jorge Mourato, José Lobo, Maria Henrique (encarregue também da direção de atores) e Mariana Lencastre. A encenação é de Ricardo da Rocha.
Os bilhetes para Lisboa e Porto começam nos 20 ou 15€ respetivamente e podem ser comprados online, onde são visíveis as datas em que Deslandes, ou Tinoco, assumem a protagonista.