Trovoada sónica, equilibrismo de géneros e imersão pura. Foi o início da segunda ronda do Amplifest, que termina esta sexta-feira no Hard Club do Porto com mais concertos
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Os convívios improváveis regressaram ao Amplifest, que iniciou anteontem a segunda rodada no Hard Club do Porto. Nos três concertos da noite de quinta-feira houve sons ameaçadores, espargata entre a pop e o black metal, e violinos em loop para uma audiência sentada e cerimoniosa.
Tal como no fim de semana passado, todos os concertos esgotaram, disse ao JN André Mendes, da direção. O que o motiva a recriar, em 2023, um cartaz de equivalente dimensão: "Não voltaremos ao formato de dois fins de semana, isso foi mesmo uma exceção. Mas a hipótese de um festival de três dias está em cima da mesa." A presente edição termina hoje com mais uma fornada de projetos que exploram e invadem fronteiras de géneros, como Peter Broderick (16.45 horas), Fennesz (20.30), Godspeed You! Black Emperor (21.45) ou Scúru Fitchádu (00.00).
Voltando a quinta-feira, a noite arrancou com o motor a quatro tempos dos Buñuel, que se apropriaram do nome do realizador surrealista espanhol. Praticam um noise rock com raízes no punk, que tanto evolui com guitarras que são lâminas em devaneio, acolitadas por percussão intensa, como se estende por longas faixas experimentais que vão formando nuvens de tempestade. São liderados por Eugene Robinson, negro maciço e tatuado que se assemelha a Mr. T da série "The A-team". Tem reputação de intervir fisicamente em concertos para pôr na ordem os impertinentes (não foi necessário), mas é também escritor premiado que assinou artigos em publicações como o "The New York Times", "Hustler" ou "The Wire".
Seguiram-se os Deafheaven, californianos que desde 2010 procuram um balanço entre o black metal e o shoegaze, mas que no último trabalho, "Infinite granite", parecem tombar definitivamente para o lado da pop. São desconsiderados pelos fãs de Mayhem ou Gorgoroth (tidos como a gema do black metal), mas terão pelo menos o mérito de aproximar um género tão extremo (não só no som, veja-se a história macabra das bandas supra-citadas) de um público mais alargado. Descafeinaram a coisa, dizem os puristas. Mas ofereceram ainda assim um concerto potente, feito de partes gritadas e outras melódicas, num embrulho nem sempre consist.
A grande surpresa veio com as peças para violino processado de Jessica Moss, compositora que chegou a colaborar com Arcade Fire e Broken Social Scene. Contraste radical com o "headbanging" dos concertos anteriores, a canadiana sentou o público para uma hora de imersão no álbum "Phosphenes", que encontra no violino e sua multiplicação, distorção e desdobramento o centro de uma partitura povoada por inputs eletrónicos e samplers. Entre o sinistro, o melancólico e o digressivo, foi uma bela cerimónia no Hard Club.