A diversidade convive no evento fundado sob o signo das sonoridades extremas. Houve black metal e viola campaniça no sábado à noite. A partir de quinta-feira e até sábado há mais concertos no Hard Club do Porto.
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Regressado da pandemia em formato XL, com 51 concertos distribuídos por dois fins de semana, o Amplifest apresenta as vantagens de um festival de culto, ou de segmento, com um público esclarecido que para ali se desloca com o propósito essencial de ouvir música, e que se incomoda com demasiadas fotografias e com paleio durante os concertos, mas não é um certame de tribo, em que qualquer sinal de não pertença é alvo de hostilidade.
Entre as três mil pessoas que esgotaram os primeiros três dias - e 40% delas eram estrangeiras, segundo André Mendes, da direção; entre espanhóis, escandinavos, brasileiros e alemães -, muitas exibiam t-shirts identitárias, que clarificavam um gosto musical em linha com a proposta dominante do Amplifest, feita de variações, mais ou menos experimentais, em torno do universo do metal. Mas não há notícia de que os portadores de iconografia ligada aos Sepultura, Carcass ou Obituary tenham importunado cidadãos penteadinhos com camisolas amarelas ou cor-de-rosa.
Mesmo musicalmente, é redutor considerar o Amplifest unicamente um festival de sonoridades extremas, porque há propostas que, mesmo oriundas desse universo, o questionam e reinventam, e outras que estão simplesmente fora do baralho. É o caso de O Gajo, lisboeta que passou pela cena hardcore, em bandas como Gazua ou Corrosão Caótica, e teve um "segundo nascimento musical", nas palavras do próprio, quando descobriu um cordofone tradicional do Alentejo - a viola campaniça.
E que bem fez à campaniça ser redescoberta por O Gajo. Permitiu-lhe deslocar-se dos seus espaços de receção habitual e chegar a novos públicos e contextos, que puderam provar um "instrumento mediterrânico que pertence a este território, mas não necessariamente ao Portugal afonsino, pois ele soa a algo anterior à nacionalidade", explicara o músico ao JN à época do lançamento de "Subterrâneos" (2021). Um homem e uma viola foram suficientes para um concerto memorável na noite de sábado. João Morais entrega-se desamparado a temas instrumentais que escondem narrativas sobre cacilheiros, fenómenos cósmicos ou rixas de bairro. Faz sempre uma introdução às canções, parece um amigalhaço que está ali connosco a partilhar o seu talento e as suas histórias. E depois envolve-nos em melodias circulares e hipnóticas, que fugazmente nos impelem à dança e à extroversão.
Mais dentro dos sons que associamos ao Amplifest estiveram os finlandeses Oranssi Pazuzu, que debitam um black metal exploratório, prenhe de elementos que lhe dão configuração psicadélica, mas sem abdicar da carga sufocante rasgada pelos gritos de Juho Vanhanen. Um bólide a acelerar no nevoeiro poderá ser imagem para ilustrar alguns dos temas mais intensos dos Pazuzu.
Um pouco ao lado pareceu a proposta de Fotocrime, também no sábado. Ryan Patterson é um homem honesto: explica que vem de um lugarejo no Kentucky, EUA, onde "não havia cenas musicais - tudo o que construímos foi com as nossas mãos." Mas nota-se essa falta de uma vivência direta, de um conhecimento assimilado que permita depois recriar aquilo que se ouviu - e Fotocrime não deixa de ser um conjunto de chapas à superfície do que foi o pós-punk e a new wave.
Destaques do próximo fim de semana
Quinta, sexta e sábado, o Amplifest 2022 regressa ao Hard Club, no Porto. e há três bandas em claro destaque no cartaz.
Deafheaven, quinta-feira, dia 13 de outubro (23 horas): os norte-americanos que redefiniram as baias do black metal e, ao quinto álbum, "Inifinite granite", rumaram a paragens mais brandas e impressionistas
Anna von Hausswolf, sexta, dia 14 (22 horas): já partilhou digressões com Nick Cave esta sueca que se afirma com uma folk tornada irreconhecível na sua mescla com o rock progressivo, o drone ou a darkwave.
Godspeed you! Black Emperor, sábado, dia 15 (21.45 horas): com raízes nos anos 1990, os canadianos são força imparável do pós-rock, debitando longas faixas entre a escuridão e a alvorada. Regressam com o trabalho mais recente - "G_d's Pee at State's End!"