Cantora Ana Bacalhau regressa com retratos em forma de canções. Sem criatividade, garante, não se avança.
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"Além da curta imaginação", o segundo álbum de Ana Bacalhau, é editado amanhã. Uma obra que cresceu à sombra da pandemia, com escritores que regressam e outros que se estreiam. Onze canções, outras tantas leituras de uma intérprete que, quando se aventura na composição, pisca o olho à soul vintage.
Este disco junta canções que foram sendo feitas desde o primeiro álbum a solo, "Nome próprio" [2017], ou nasceu agora, de rajada?
É um misto de coisas que estavam preparadas para o estúdio e outras que surgiram quando o disco já estava a acontecer. Algumas são de 2018, e as duas minhas nasceram durante o primeiro confinamento.
Escreveu muitas músicas durante a pandemia?
Algumas, sim. Tenho umas seis ou sete, parte delas não completamente acabadas. Os primeiros tempos foram para processar tudo o que estava a acontecer. Entre abril e maio [de 2020] houve um clique e escrevi as duas canções que estão no disco ["Não é nada" e "Que me interessa a mim"]. Depois, comecei a encaixar tudo, senti que tinha muita coisa para dizer.
O título do álbum, "Além da curta imaginação", é uma incitação à superação, para si e para quem a ouve?
É absolutamente isso. Uma pessoa faz planos a curto, médio e longo prazo, mas depois vem a vida, que tem mais imaginação do que nós, passa-nos a perna e caímos. A minha forma de superar essas rasteiras é ter mais imaginação, ir além disso. É através da criação que me salvo.
Alguns compositores são comuns aos dois álbuns: Jorge Cruz, Nuno Prata, Francisca Cortesão. São autores que lhe trazem um sentido de estabilidade e continuidade?
Sem dúvida. São da minha geração, fomo-nos acompanhando uns aos outros. Eles fazem leituras de mim que acho interessantes. Conhecem-me bem, acompanham-me neste caminho até hoje. E depois há a outra parte, que também adoro, de pedir a pessoas que não me conhecem tão bem para darem a sua visão. Gosto de ter as duas coisas a acontecer nos meus discos.
Entre os novos contributos destacam nomes como D'Alva, Tainá e Mafalda Veiga. O que trouxe cada um de essencial para si e para o disco?
A Tainá tem duas canções no disco ["Ainda te amo" e "Encanto"]. Nota-se o ADN brasileiro, o espaço que dá às palavras e à melodia. O modo como ela canta o amor é muito bonito. A relação com a Mafalda começou quando ela foi ver um concerto que fiz há oito anos com canções que me influenciaram a vir para a música. Tem-me convidado diversas vezes para cantar em concertos, e dessa ligação musical nasceu uma amizade. Há muito tempo que queria cantar algo dela e, tendo agora uma relação próxima, deixei a vergonha de lado e pedi-lhe. É uma canção ["Tudo o que for meu"] tão bonita, uma dança de um casal e os anos de relação que vão passando ali, como um filme.
E D'Alva?
Há ali uma essência meio soul, igreja, que faz parte da minha formação. Depois, é a forma como utilizam a palavra, muito disparada, quase hip-hop, algo que eu já fazia em Deolinda. Gosto disso, gosto de muita palavra. "Sou como sou" é uma canção de empoderamento, de assunção de confiança, de amor-próprio, em que me revi imediatamente. "Sono de outono" é sobre um amor que começa no verão e se estende no tempo e a que achei tanta, tanta graça.
O que é que aprendeu com a pandemia que pode ser vertido para a música que faz?
Aprendi que a música é uma vacina incrível. Salva-me todos os dias. Não poder ir para palco deixa-me doente. Sou meia pessoa. Sem música, não vivo, sobrevivo. Fazendo música consigo erguer-me.