Em Portugal para apresentar o ensaio "Manuel Andrade: de encontros e desencontros", um estudo sobre a obra do autor de "O tempo entre os nossos dedos", a académica brasileira Ana Maria Haddad Baptista critica "a mercantilização" crescente da literatura atual, que desvirtua a relação entre os escritores e os leitores.
Corpo do artigo
O contacto de Maria Haddad Baptista com os livros de Manuel Andrade foi de tal forma intenso que resolveu dedicar-lhe um ensaio em que analisa as principais linhas condutoras da sua obra. Em "Manuel Andrade: de encontros e desencontros" (Edições Esgotadas), a professora, investigadora e ensaísta defende que os livros do autor tirsense "produzem, em nós leitores, um encantamento. A alegria (quase uma euforia) de sabermos que ainda existem escritores bons, sensíveis e que entendem que a literatura, como sempre costumamos afirmar, não pode viver apenas de intenções literárias ou ser apreendida como entretenimentos, evasões esparsas e meras identificações subjetivas que não levam a, absolutamente, nada».
Não é de todo comum vermos um académico brasileiro a prestar grande atenção à obra de um autor português contemporâneo fora do cânone. O que a levou a interessar-se tanto pela obra de Manuel Andrade, ao ponto de dedicar-lhe um ensaio?
Gostei de sua pergunta... num primeiro momento a pluralidade da obra de Manuel. Cada obra é uma obra... gosto desta variedade. Não suporto, para falar a verdade, escritores e artistas que se repetem. E claro que a qualidade de escrita do autor...
Amor, tempo e liberdade são os grandes eixos da obra do autor que destaca. Sendo estes temas universais, presentes em muitas obras, passadas e atuais, o que distingue a abordagem de Manuel Andrade?
Justamente ele tem uma forma muito própria de abordar os temas. Somente lendo suas obras para se distinguir, de forma mais afinada, o que eu disse, entende? A questão do amor, por exemplo, ele exibe situações específicas da impossibilidade de um amor completo, total e eterno.
Já a questão da liberdade...é um valor da literatura do Manuel. Como todo bom escritor...ele exercita a liberdade do leitor porque não julga e muito menos analisa comportamentos de suas personagens.
Refere várias vezes a pluralidade de Manuel Andrade. Como é que, em seu entender, ela se manifesta nos seus livros?
Cada obra é uma obra. As formas de escrever são diferentes. Memórias, reflexões a respeito de um certo assunto e assim não se repete como eu já disse...
Estabelece várias relações entre os temas de Manuel Andrade e a obra de vultos como Tolstói ou Sartre. Sente que é um autor mais influenciado por clássicos do que pelos seus contemporâneos?
Manuel Andrade é, sobretudo, um escritor culto. E hoje em dia o que mais temos, infelizmente? Escritores incultos que não leram nada. Portanto, muito natural que, como todos os grandes escritores, a literatura de Manuel Andrade, tenha “ecos e ressoares”que dialoguem com os grandes pensadores.
Ao longo das páginas deste livro são várias as críticas que tece às feiçõees de boa parte da criação literária, rendida muitas vezes ao entretenimento. Nesse sentido, a literatura de Manuel Andrade é de resistência, nos antípodas do que é hoje mais praticado?
Sem dúvida...a literatura de Manuel não se rende ao mercado perverso que insiste em mercantilizar até a literatura. E muito menos aos que pensam que a literatura tenha que ser de mera evasão pessoal.
Começa o ensaio por elencar os vários tipos de leitores que existem, dos casuais aos que leem por entretenimento ou obrigação. Estes leitores encontrarão "alimento" nos livros de Manuel Andrade?
Tais leitores mencionados por mim poderiam, mas não tenho como prever, assim como ninguém tem, ser capturados pelos livros de Manuel de Andrade. O real encontro entre um leitor e um autor depende de fatores que escapam a qualquer lógica...tanto quanto o amor...
A unidade que atravessa estes livros é várias vezes reforçada no ensaio que escreveu. Podemos ler os romances de Manuel Andrade como se fossem um só?
De forma alguma. A unidade não é de tal nível. A unidade a qual me refiro é a qualidade, pluralidade e diversidade...unidade de conjunto de obras. Liberdade dada aos leitores...
Dado o entusiasmo que a obra de Manuel Andrade lhe suscitou, crê que será uma questão de tempo até ela ser reconhecida de forma mais ampla, incluindo no Brasil?
Eu farei o possível para que Manuel Andrade seja cada vez mais lido. Tenho certeza de que ele será, por exemplo, incluído nas teses e dissertações orientadas por mim. Assim, como suas obras serão indicadas aos professores com os quais tenho contato direto por meio dos cursos de formação que costumo ministrar.