Poeta será homenageada na Feira do Livro do Porto deste ano. A nona tília do jardim terá o seu nome. Rui Moreira elogia-lhe o "talento inato e inacabado".
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A figura central da Feira do Livro do Porto, que regressa aos Jardins do Palácio de Cristal em setembro, é a poeta Ana Luísa Amaral (Lisboa, 1956), sabe o JN. A homenagem apanha desprevenida a autora de "Mundo", que terá uma tília batizada com o seu nome na avenida que hoje é casa simbólica de escritores como Sophia de Mello Breyner, Eduardo Lourenço ou Mário Cláudio. A poeta, que é também romancista, ensaísta, dramaturga e cronista, representará a nona árvore plantada, a quarta mulher consagrada, a primeira autora viva depois de Agustina - a autora de "Sibila" morreria quatro anos depois do tributo, mas à época já não escrevia.
"Celebrar alguém plantando uma árvore tem um sentido vital muito forte. É um gesto de vida, de renovação, de continuidade, de esperança no futuro", afirmou ao JN, confessando não esperar ser escolhida, mas reconhecendo que a escolha deixa-a "profundamente feliz". Também porque, pela primeira vez, vê "apaziguada" a geografia afetiva: a mulher de 65 que desde os nove suspira, nostálgica, por Lisboa e por Sintra, onde viveu, inebriada, a infância, que cresceu a chorar com o "mar agreste do Norte" em que não se reconhecia, e que sempre se sentiu inquilina de "qualquer coisa de intermédio", suspira de alívio: "Cheguei enfim ao Norte", exclama. "Sou de cá. Esta é a minha gente, este é o meu mar. Os meus esteios emocionais estão todos aqui. São como as pontes do Porto", diz, citando o poema que dedicou à cidade mesmo antes de a aceitar como sua. "Podem ser de sentido, de betão,/ de ferro ou de outras coisas mais humanas,/ as pontes de que falo./ E equilibram as coisas e as gentes,/ e aproximam palavras,/ fazendo-as de reforços mais oblíquos/ e aos acentos que delas/ são o centro".
Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto e vereador da Cultura, responsável pela escolha, justifica, ao JN, a tília de 2022: "Ana Luísa Amaral tem um talento inato e inacabado. Desta vez, queríamos escolher uma poeta viva, que possamos continuar a acompanhar". E acrescenta: "Não a escolhemos apenas por ser uma grande poeta, mas também pelas causas que defende. Vai ser muito mais do que apenas uma tília, vai ser o centro de uma parte da programação a apresentar".
Maior prémio de poesia
A homenagem será inesperada mas é tudo menos irregular. Ana Luísa Amaral, autora tardia - escreve desde os cinco anos mas só aos 34 arriscou publicar -, é considerada uma das vozes mais importantes da literatura europeia e foi inúmeras vezes premiada ao longo da vida e sobretudo nos últimos dois anos. O rainha Sofia, maior galardão de Poesia Ibero-Americana atribuído em maio passado em Espanha, colocou a América Latina, chão de 700 milhões de pessoas, a entregar o coração à poeta que ao longo de quase duas dezenas de livros continua a encadear no mesmo poema, e sem nunca perder o pé, cebolas com amor, centopeias com eternidade, castanhas com solidão. Ela coloca o Mundo numa espécie de microscópio privado e devolve-o, agigantado, com sentidos inesperados. É a poesia, diz, de quem olha com "proximidade, com intensidade, com espantamento".
Espanha dedicou-lhe então programas e páginas inteiras de jornal. Em Portugal imperou um embaraçoso silêncio. Uma semana depois de ter passado a figurar nessa Liga como a sétima mulher distinguida em 30 anos (a terceira portuguesa, depois de Sophia, em 2003, e de Nuno Júdice, em 2013), a antiga ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, fez estalar o verniz no "Público", lamentando que a poesia não se jogue num estádio: "Não houve os parabéns em público ou em privado e as homenagens que de imediato vemos recaírem sobre os medalhados de outras áreas", criticou. "É um silêncio que tenho dificuldade em identificar se é ditado pela ignorância, pelo menosprezo, pela inveja ou pela discriminação".
Aconteceu há pouco mais de seis meses, mas Ana Luísa Amaral, pioneira em Portugal de uma forma de vestir a poesia mas também de erguer a voz por convicções como o feminismo, tem mais em que pensar.