"Anaïs Nin no mar das mentiras" é a história de uma mulher presa dentro de si mesma

"Anaïs Nin no mar das mentiras", novela gráfica de Léonie Bischoff, explora a vida da escritora Anaïs Nin na Paris de 1930
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Assumida na primeira pessoa por Léonie Bischoff, a biografia da escritora erótica Anaïs Nin ganha maior força narrativa.
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Diz-se que a capa de um livro é a sua porta de entrada, por isso deve ser chamativa. A de "Anaïs Nin no mar das mentiras", sexto volume da coleção que a Devir dedicou a obras premiadas em Angoulême, cumpre plenamente o propósito. Por um lado, ilustra a dualidade da protagonista na sua representação, entre a contenção e a exposição, entre a simplicidade do traço e o vigor da cor. Por outro, num e noutro caso, revela a sua capacidade de sedução através de um simples olhar.
Biografia livre da escritora de literatura erótica residente em França nos anos 1930, é assumida na primeira pessoa pela autora, Léonie Bischoff, o que lhe confere uma força narrativa que o olhar de um cronista externo não teria conseguido.
"Anaïs Nin no mar das mentiras" é a história de uma mulher presa dentro de si mesma, durante muito tempo limitada pela sua educação católica e pelas convenções sociais, utilizando o diário como escape para os seus sonhos, os seus anseios, os seus desejos e a sua intensa pulsão sexual.
O momento de viragem surge quando conhece Henry Miller e a sua escrita transgressora, iniciando uma relação que, com ele e depois outros, a levará a quebrar todos os tabus, regras e preconceitos sociais. Apesar de tudo - e este tudo é imenso -, o relato consegue manter-se extremamente púdico, aludindo mais do que mostrando, mas podendo, mesmo assim, revelar-se extremamente chocante para alguns, pela forma como expõe uma mulher que apenas queria descobrir-se para viver plenamente e conseguir assim libertar a sua escrita.
Uma das grandes forças do livro é o seu grafismo, assente num traço fino e delicado que realça a fragilidade, mas também a feminilidade de uma mulher extremamente sedutora, dividida entre as suas paixões e a arte. O trabalho de cor de Bischoff é notável, maioritariamente aplicada apenas nos contornos das figuras e cenários, noutras mudando de registo em função dos momentos e sensações que a protagonista experimenta ao longo de um trajeto iniciático que a levará progressivamente às mais intensas experiências eróticas.
Da leitura, fica na memória a cena em que Anaïs se vê refletida nos pedaços de um espelho partido, representando admiravelmente a sua multiplicidade íntima.

