
"Vinde ver isto" é o segundo álbum em nome próprio de António Garcez, numa carreira iniciada em meados da década de 1960
Cantor célebre entre os anos 1960 e 1980 vive hoje nos EUA. "Vinde ver isto" é um regresso de um rocker que reclama o seu lugar na História.
"Se eu não estiver incluído, a história do rock português nunca estará completa." É assim, desbragadamente, exigindo o seu justo lugar na História, que António Garcez inicia a conversa a propósito do novo álbum de originais, "Vinde ver isto", que interrompe um hiato de 20 anos desde a gravação do primeiro disco a solo, "Rio abaixo", que por sua vez quebrava outro silêncio de quase 20 anos. Foi essa intermitência que o tornou desconhecido para as novas gerações, não para quem viveu a música portuguesa entre as décadas de 1960 e 1980. Estes últimos poderão mesmo perguntar: tivesse Garcez seguido uma carreira contínua, quem seria afinal "o pai do rock português"?
O músico, agora com 73 anos, recorda um artigo do "Jornal de Notícias", de 1984, que terá sido um dos últimos ecos na imprensa da banda Roxigénio, uma das várias que liderou antes de emigrar para os EUA; titulava: "Mora no Porto a melhor voz de rock"n"roll". E a figura mais louca, segundo o próprio: "Eu era um marado em palco: ia de botas brancas de tacão alto, colete de lince, cabelo enorme e bigodinho". A provocação acompanhava o estilo exuberante, como regista esta passagem de um texto publicado no jornal "Musicalíssimo", nos anos 1980: "A páginas tantas, quando o Roxigénio despejava os seus decibéis, o Garcez não esteve com mais: arreou as calças e, zumba, vai de baixar a cueca."
Canções pára-quedistas
Garcez começou a viver o rock antes de haver consciência rock em Portugal. Os seus pais espirituais foram Frank Sinatra e Nat King Cole, além de Amália e Fernando Farinha, mas as influências mais diretas no que viria a fazer vogavam na área do rock: progressivo, sinfónico e pesado. Garcez atira nomes: Atomic Rooster, Yes ou Led Zeppelin. Mas também Bee Gees e Roberto Carlos, de quem fazia versões no tempo dos Boinas Verdes, banda que manteve durante os seus anos como pára-quedista, entre 1967 e 1970. "Fiz mais de 30 concertos em quartéis", lembra Garcez, que teve a sua estreia absoluta em palco em 1964, no Salão Paroquial de Matosinhos, com a sua banda de liceu, os Abutres Negros.
Seguiu-se uma filada de projetos, onde foi desenvolvendo a sua voz e persona: Módulo 1, que atuava no Casino da Póvoa; Pentágono, com quem subiu ao palco no mítico Vilar de Mouros de 1971; Arte & Ofício, banda de jazz rock por onde passaram nomes como António Pinho Vargas, Sérgio Castro e André Sarbib; Psico; Stick; ou Roxigénio, com quem regressou a Vilar de Mouros, na edição de 1982.
Dá-se então o primeiro corte na carreira de Garcez, em 1986: "Recebi umas massas do meu avô e fui viajar para os EUA". A ideia inicial era explorar oportunidades na área da música: "Tentei várias editoras, fiz contactos, mas acabei por me desiludir e estava para voltar a Portugal". Até que conheceu a filha do mayor de Nova Jérsia e se apaixonou. Viveu com ela 15 anos e teve um filho. Tirou cursos na área das ciências e trabalha até hoje nos EUA, tendo desenvolvido um curioso sotaque americanizado.
Um estilo inconfundível
"I"m back", um dos temas do novo álbum, é o seu manifesto. Garcez está de volta porque a música nunca lhe saiu das veias. Mas se há disco é graças a Ricardo Gordo, que partilha com Garcez a produção de "Vinde ver isto": "É o guitarrista com que sempre sonhei. Só monstros do rock fazem aquilo que ele faz". A influência de Ricardo Gordo, que explora a ligação entre a guitarra portuguesa e os géneros mais extremos do rock, está patente em vários momentos do disco, que é um inventário dos gostos de Garcez acumulados em quase 60 anos: há funk e hard rock e baladas tingidas pela guitarra portuguesa. E há a voz de Garcez, conservada em âmbar: "Tenho um estilo inconfundível: soo a mim próprio".
