Já está nos cinemas a comédia francesa do momento, "Terapia de Família".
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Imagine-se um psiquiatra que já não pode com as ansiedades de um jovem paciente, dizendo-lhe que o melhor é arranjar uma namorada. E quando a filha anuncia que vem passar alguns dias à casa de férias da família com o novo namorado, este é nem mais nem menos que o seu insuportável jovem cliente... É assim que começa "Terapia de Família", a comédia francesa do momento que um estúdio americano já comprou para fazer um remake. O filme acaba de chegar às nossas salas e estivemos a falar com o argumentista e realizador, Arnaud Lemort.
Já não é a primeira vez que aborda a temática da psiquiatria...
É um acaso. Não sou um grande frequentador de divãs nem é uma história pessoal. Acho que estou bem da cabeça. Mas a psiquiatria faz parte do nosso mundo. O que faço é andar à procura de boas histórias. Para fazer uma comédia popular precisamos de encontrar um bom princípio de história. A psiquiatria aqui é acessória, a história é de um homem que se quer desembaraçar de um futuro genro que não é o bom.
E a hipnose, já alguma vez experimentou?
Nunca fui. Mas também é um tema de hoje. Antes, ir ao psiquiatra era uma coisa elitista. O Woody Allen mostrou que podíamos rir com os psiquiatras. Hoje há pessoas de todas as classes sociais que quando não se sentem bem vão consultar um. Há métodos para tudo, como para deixar de fumar. A hipnose também se democratizou. São coisas que fazem menos medo que antes. A psiquiatria começa a fazer parte da cultura popular.
Escreveu guiões para outros realizadores, mas começou a fazer os seus próprios filmes. Não estava contente como contavam as histórias que tinha imaginado?
É verdade que não estava contente. Quando escrevemos uma história e também realizamos o filme, podemos mudar qualquer coisa mesmo no dia da filmagem. Quando somos apenas argumentistas, vendemos a nossa história e depois já não temos qualquer tipo de controlo. Em função da personalidade do realizador, a história segue um caminho que não seria exatamente o nosso.
Quando se sentiu mesmo desiludido com o resultado final?
Quando um realizador não fez o seu trabalho até ao fim, como eu o teria feito. Como temos de entrar no meio do cinema por algum lado, eu entrei como argumentista. Mas agora nunca mais escreverei uma história sem a realizar, isso é certo.
Agora, como realizador, compreende melhor os outros que meteram a mão nos seus guiões?
Claro que sim, mas também lhe digo que quando sabemos que vamos realizar, não escrevemos da mesma maneira. Ao princípio, quando era mais jovem, escrevia uns guiões um pouco literários, mas depois percebi o poder da imagem.
Como é que está a situação dos argumentistas em França?
São muito mal considerados. Por causa da Nouvelle Vague, os realizadores têm um papel hiper importante em França. Ao tornar-nos realizadores ganhamos desde logo esse estatuto, passamos a ser o patrão das filmagens.
De onde veio esta ideia genial? Parece simples, mas tinha de ser inventada...
Vou-lhe dizer uma coisa, e não há muitos realizadores que o admitam, eu tenho uma paixão enorme por escrever uma história pensando desde logo na comercialização do filme. E de repente apareceu-me esta ideia de um psiquiatra que aconselha um jovem a arranjar uma namorada e esta acaba por ser a sua própria filha. Os meus produtores acharam logo a ideia magnífica. É cinema popular, comercial, tudo o que quiserem chamar.
O que pensa da situação da comédia no cinema francês?
Tenho colegas realizadores que não querem fazer mais comédias. Porque há um sistema organizado da crítica deitar abaixo este tipo de filmes.
Uma má crítica não influencia necessariamente as entradas de uma comédia popular...
As pessoas que fazem este trabalho têm necessidade de reconhecimento. Estes filmes nunca vão aos Césars, nunca vamos ter um belo texto de não sei quem. Temos de nos contentar em fazer bem nas bilheteiras. É preciso um estado de espírito particular. A mim os críticos já não me chateiam. A não ser quando vejo que estão de má-fé. Este filme vi-o com público, vi as pessoas a rir, quando me dizem que é nulo, não me importo.
Antes não era assim?
Quando era jovem não havia separação entre comédia popular e comédia de autor. As pessoas iam ao cinema ver esses filmes. Houve uma época de ouro desse tipo de filmes. Eram chamados os filmes de domingo à noite, com a família toda à volta da televisão, para passar um bom momento.
O que se passou, entretanto?
Os filmes de autor abriram um outro mercado e esse hábito caiu em desuso. Como contrapartida, há menos gente de talento a trabalhar nesse tipo de comédias. Fazem-me falta isso, sou um filho dos filmes de domingo à noite.
Como eram esse serões?
Quando fiz dez anos tive direito a ver a televisão à noite durante uma meia hora antes de ir para cama, aos 14 tive direito a uma hora do filme e aos 16 já podia ver os filmes até ao fim. Os filmes passavam às oito e meia, eram vistos por cinco milhões de pessoas, era maravilhoso. Tenho um grande amor pela comédia popular, que considero um género nobre. E não é por acaso que trabalho com o Christian Clavier.
É uma lenda de um certo tipo de cinema francês, como foi trabalhar com ele?
Entendemo-nos logo muito bem. Gostamos das mesmas coisas. É uma pessoa excecional. Investe-se totalmente no projeto. Depois de aceitar fazer o filme falámos ao telefone todos os dias. Mesmo agora, liga-me três vezes ao dia, para saber como estão as entradas.
Ajudou-me imenso no guião, fui a casa dele trabalhar várias vezes. E depois o génio que tem. É alguém de bastante moderno, mas aceitou a sua idade. É um homem delicioso, cultivado, muito agradável. Enquanto ator, foi o grande encontro da minha vida.
Sair de Paris para rodar um filme também deve ter um sabor muito especial...
Fiz dois filmes em Paris e nunca mais o vou fazer. Não tenho história nenhuma com a cidade. Eu venho de Lille, do norte de França. Como toda a gente vim para Paris para trabalhar, fiz os meus primeiros filmes aqui, os décors são magníficos, mas não tenho nenhum afeto por Paris.
E perde-se um pouco o espírito de equipa, quando ao fim do dia vão todos para casa, certo?
O pior quando filmamos em Paris é voltar para casa ao fim do dia e a caixa do correio estar cheia de faturas para pagar. Traz-nos de volta para uma realidade que de todo não desejamos. Filmar longe de Paris é mágico.