Teatro Nacional do Luxemburgo estreia no Porto peça de Eugène Ionesco. Está em cena no Teatro Carlos Alberto até sábado, com encenação de Gábor Tompa.
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Casados há 75 anos, um homem e uma mulher recordam a sua passagem por Paris num passado distante e difuso. Será a mais real das suas recordações. Em tudo o resto, incluindo a existência de um filho, as versões são contraditórias. O homem tem uma mensagem: um “sistema perfeito” para salvar o Mundo. Naquela noite, ela será revelada diante de convidados. As cadeiras estão lá para os receber. Mas não chega ninguém. Na cabeça dos velhos, eles estão lá todos - até o imperador.
Eis o esqueleto de “As cadeiras”, peça de 1952 de Eugène Ionesco que está em cena no Teatro Carlos Alberto, no Porto, produzida pelo Teatro Nacional do Luxemburgo, com encenação de Gábor Tompa.
Esta sexta-feira há nova récita, às 21 horas; no sábado, a cortina abre às 19 horas. Os bilhetes custam 10 euros.
Como abordar o real?
Inseridos num cenário circular - casa decrépita cheia de portas e janelas -, os dois intérpretes, a romena Oana Pellea e o francês Patrick Le Mauff, ajustam as suas composições à “farsa trágica” de Ionesco: vogam entre o registo histriónico e a gravidade; fabricam uma ilusão, mas reconhecem que aos velhos apenas sobram “a tristeza, os remorsos e as dores.” O texto é debitado em língua francesa com legendagem para português.
Tal como noutras peças do dramaturgo franco-romeno, como “A cantora careca” e “A lição”, estamos no domínio do “absurdo”, nessa constelação de escritores e filósofos cuja proposição de base é a ausência de sentido na existência. Ionesco escreveu que o tema da peça é o vazio, não o falhanço, apesar de ele percorrer a peça: a mulher insiste que o homem podia ter sido muito mais que um zelador.
Cabe ao público fazer a sua leitura: uma dança de cadeiras vazias com personagens imaginárias ou uma expressão do horror da velhice, amparada, apesar de tudo, por uma relação de 75 anos?
Quando estreou em Londres, em 1957, a peça motivou ainda um intenso debate, com participantes como Orson Welles, sobre a natureza e o lugar da arte, opondo-se ao “absurdismo” de Ionesco o “realismo” de “Look back in anger”, de John Osborne. Questão que poderá ser colocada a cada nova geração de artistas. Como abordar o real: diretamente ou de viés?