Repórter fotográfico Rui Ochoa recorda episódios marcantes do seu percurso no livro "74-99" e na exposição homónima, patente ao público na Sociedade Nacional de Belas Artes.
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Com a inseparável máquina fotográfica em punho, testemunhou a queda de regimes, manifestações e greves que ajudaram a mudar o curso de História. Mas também captou a dor e as alegrias de gente comum ao longo de uma carreira profissional cujas origens remontam à já distante década de 1960.
Duas centenas das fotografias mais marcantes que Rui Ochoa captou foram compiladas no livro "1974-1999!" (editado pela Casa das Letras) e parcialmente reunidas na exposição homónima, patente na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa.
"Promessa que tinha feito há muito", como confessa o repórter, o livro e a exposição estão longe de ser um mero exercício nostálgico. "Foram momentos fantásticos que o país viveu, fruto das profundas transformações políticas e sociais ocorridas", diz, convicto de que, "embora não estejamos no melhor dos mundos, Portugal evoluiu imenso".
Foi no "Jornal de Notícias" que tudo começou. Primeiro no Porto e, já no início de 1970, em Lisboa, depois de ter cumprido o serviço militar durante três anos.
Na altura, a fotografia e a escrita ainda disputavam a sua atenção. Após anos a fio de tentativa de conjugação, a primeira acabaria por levar a melhor, para grande surpresa de muitos dos seus colegas. "Fui muito criticado por fazer essa transição, apesar do apoio que tive de grandes figuras, como Freitas Cruz e Pacheco de Miranda. Na altura, o fotojornalismo estava numa clausura. Era o parente pobre do jornalismo", diz.
De Berlim ao Golfo
Se muitas das fotografias incluídas em "74-99" ganharam um valor histórico, poucas concorrem, no que ao impacto diz respeito, à série de imagens que envolveram Mário Soares na campanha presidencial de 1986. Ochoa era o único fotógrafo presente quando o fundador do Partido Socialista se viu insultado e agredido por operários em fúria na Marinha Grande.
"Sem imagens, teria sido um não-acontecimento", assinala, realçando que foi "o instinto" que o levou a permanecer até ao fim na ação de campanha, desafiando o clima de tensão e insegurança que ali se vivia.
Para vários observadores, esse incidente ajudou mesmo a mudar o curso das eleições, embora "Mário Soares nunca o tenha reconhecido quando conversei com ele sobre o assunto, anos mais tarde", recorda.
Nem só do acompanhamento da vida política portuguesa se fez a vida profissional deste portuense de 75 anos, que acalenta o objetivo de ver a exposição "74-99" passar pela sua cidade, depois das já garantidas extensões por Sintra e Amadora. Da Guerra do Golfo à deposição do ditador romeno Ceausescu, passando pela Queda do Muro de Berlim ou a transferência da soberania de Macau, o que o moveu sempre foi "o dever de informar e contar".
A desempenhar atualmente a função de fotógrafo da Presidência da República, repetindo experiências que já teve com Francisco Sá Carneiro e Aníbal Cavaco Silva, continua a ver-se "hoje e sempre" como jornalista. "O jornalismo só vale a pena se for vivido de forma apaixonada", sentencia.
Pescadores resgatados no deserto
Das incontáveis reportagens feitas ao serviço do JN durante quase duas décadas, há uma que Rui Ochoa recorda com especial significado, por ter sido fundamental para a resolução de um conflito diplomático. Em 1980, a tripulação do arrastão Rio Vouga, da Póvoa de Varzim, viu-se sequestrada pela Frente Polisário, um movimento que luta pela autodeterminação do povo saaraui.
Levados para o deserto do Saara, os pescadores permaneceram em cativeiro dois meses, enquanto decorriam conversações dos terroristas com o Governo português para a sua libertação.
Com a tensão em índices máximos, depois de Portugal ter falhado a sua parte do acordo, e a opinião pública nacional ter ficado em suspenso com o destino dos pescadores, uma reportagem ajudou a desbloquear o caso.
Rui Ochoa e Miguel Reis foram os primeiros jornalistas a chegar ao local. "Foi um exclusivo internacional. Entrevistámos os pescadores e depois de tudo se resolver até os trouxemos no avião de regresso", recorda Ochoa, que ainda tem bem presente a receção entusiástica.