Supergrupo de Julien Baker, Lucy Dacus e Phoebe Bridgers estreia-se em “The record”.
Corpo do artigo
Em quase todas as listas de melhores álbuns de 2023 publicadas em revistas especializadas e jornais de referência figura, nos píncaros, o álbum de estreia de Boygenius. A New Musical Express é a que vai mais longe, declarando-o “um clássico instantâneo” e alçando-o ao primeiro lugar da sua tabela. Não é que tenha sido o ano mais fragoroso da indústria musical, mas “The record” nunca seria esforço que passasse despercebido.
Desde logo, porque sai da voz de um supergrupo - reunião de três “cantautoras” marcantes da última década, todas com 28, 29 anos, todas oriundas do indie folk: Julien Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus. Depois, porque os indícios revelados no EP homónimo de 2018 são confirmados e superados ao longo das 12 faixas. E, finalmente, porque poucos conseguem, no século XXI, soar a Simon & Garfunkel sem motivarem a saudade desses cantores e do seu contexto - elas, e o agora, têm beleza suficiente.
Fundado sob o signo da literatura - tudo começou na partilha de um livro de Henry James, num bar, entre Julien e Lucy; as afinidades espirituais foram imediatas; alastraram-se, um mês depois, a Phoebe Bridgers, que se integrou com as outras numa permuta de autores por correio eletrónico; lidavam todas com a recente experiência do sucesso -, Boygenius convoca leituras exigentes para a sua música: de Leonard Cohen, a quem dedicam uma faixa de homenagem (e de alguma ironia), a Joan Didion e Rainer Maria Rilke.
É um disco sobre o amor, a amizade, a forma como esses dois sentimentos são porosos e se entrelaçam, às vezes com riscos, a família, os legados, as mudanças. O tema de abertura, “Without you without them”, é o manifesto: “Quem seria eu sem ti, sem vocês”. Reconhecimento de que a nossa história não avança, nem tem relato, sem a presença dos outros.
Em “The record” há três histórias em simbiose, em transmutação. Três talentos que se expandem na partilha de memórias e intimidade. Três vozes que descobrem uma identidade nova reforçando as de origem. Exemplo para a música, exemplo para a vida.