"Nenhum sítio é deserto" dá conta das várias fases que atravessou a obra desenhada por Álvaro Siza. Mostra patente na Faculdade de Arquitetura do Porto até 1 de julho
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Obra canónica da arquitetura portuguesa, a Piscina de Marés, de Álvaro Siza, edificada desde os anos 1960 na marginal de Leça da Palmeira, não resultou apenas de um "rasgo", mas sim de múltiplas circunstâncias que foram ditando o "crescimento paulatino do conjunto balnear", do primeiro tanque à recente renovação e expansão. É esse processo que se encontra exibido em "Nenhum sítio é deserto. Álvaro Siza: Piscina de Marés (1960-2021)", mostra patente até 1 de julho na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, com curadoria de Teresa Cunha Ferreira e Luís Urbano.
Dividida em três núcleos, a exposição apresenta as diferentes vidas da obra que foi classificada como Monumento Nacional em 2011 e que integra, como única representante nacional, o volume "Cem edifícios do século XX", uma plêiade da arquitetura mundial. No primeiro segmento, figuram imagens que dão conta da pré-existência do local onde viria a ser construída a piscina - salientando-se uma poça natural onde Álvaro Siza ia a banhos na infância - e também dos primeiros anos do edifício desde a inauguração, em 1966, notando-se a imediata adesão popular ao equipamento. Além das fotografias, constam nesta secção diversas plantas, esquissos, vídeos e outros materiais recolhidos em arquivos.
A segunda parte da mostra foca-se na reabilitação levada a cabo entre 2018 e 2021, onde se realizaram, sob a orientação do arquiteto, uma série de revisões técnicas e acrescentos no conjunto balnear. "Siza restaura Siza", nas palavras de Teresa Cunha Ferreira, que lembra a importância deste tipo de operação no contexto da obra do arquiteto, que fora já responsável pela reabilitação de outras obras suas, como o Bairro da Bouça, a Casa de Chá da Boa Nova ou a própria Faculdade de Arquitetura. "Ele manteve muitas das marcas e cicatrizes deixadas pelo tempo, numa lógica brutalista em que a verdade se revela na crueza dos materiais usados. O tempo é um densificador da arquitetura na visão do Siza", diz a curadora. O processo de renovação foi registado pelas imagens de Inês d"Orey, que são acompanhadas pelas memórias descritivas do projeto e alguns objetos resgatados do estaleiro, como portas e fragmentos de pedra.
Na última etapa revela-se o eco internacional da Piscina de Marés, que se foi tornando famosa a partir dos anos 1970. Fotógrafos de várias épocas e geografias, como Brigitte Fleck, Giovanni Chiaramonte, Roberto Collovà, Luís Ferreira Alves, Fernando Guerra ou João Morgado, captam diversos aspetos do conjunto, do elemento humano à sua configuração no espaço, dando expressão ao "caráter cinematográfico do edifício, às suas relações de claro/escuro, aos inúmeros enquadramentos com a paisagem", diz Luís Urbano. Uma recolha de publicações internacionais, com textos críticos e de divulgação, completam o segmento.
No título da mostra - "Nenhum sítio é deserto" - encerra-se uma ideia fundamental da arquitetura de Siza, explica Teresa Cunha Ferreira: "Apesar da obra assinalar algumas influências internacionais, como Mies van der Rohe ou Frank Lloyd Wright, revela-se essa relação com a memória, a cultura e as referências do lugar, algo que o acompanhou em toda a carreira".