Atriz recordista de prémios Tony esteve em Lisboa para um momento intimista onde falou sobre o seu percurso e o “talento” que tem encontrado em Portugal.
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Sala cheia e entusiasta no Auditório da Biblioteca Orlando Ribeiro, em Lisboa, para acolher “uma das maiores artistas dos nossos tempos”. Audra McDonald, a única pessoa até hoje a vencer seis Tony Awards e a única atriz a vencer em todas as quatro categorias de atuação, esteve na capital para um momento intimista onde falou sobre o seu percurso, a paixão pelo teatro e o “talento” que já encontrou em Portugal.
No decurso do "Musical Theater Summit" que se realiza até domingo em Lisboa, o momento forte do primeiro dia foi um “heart to heart” com Audra: uma conversa com a artista que faz parte do American Theater Hall of Fame, que está este ano nomeada pela 10ª vez para um Tony, e que conta na sua carreira com dezenas de participações consagradas em cinema, televisão, peças e óperas.
A ópera foi aliás o seu ponto de partida, pelo menos na formação e quase por engano, como contou ao público presente. Em palco com Martin Galamba, fundador da MTL, começou por explicar como na sua cabeça ainda é às vezes uma miúda “de Fresno, na Califórnia, que gosta de cantar”. Foi ali, adiantou, que começou a sua ligação com o teatro, muito nova: diagnosticada com hiperatividade, os pais estavam à procura de soluções quando viram um teatro musical em Fresno. “Eles pensaram ‘a Audra gosta de cantar, isto pode ser bom para ela’. E assim, com 9 anos, começou a minha viagem”, contou.
Numa conversa fluida em palco, sempre eloquente e divertida, Audra foi explicando como, na prática, quase tudo o que sabe sobre teatro viria a aprender naquele simples Dinner Theatre – restaurantes com peças – e com o seu diretor. Mesmo depois de 30 anos em Nova Iorque, o trabalho, a disciplina, a capacidade de trabalhar com outras pessoas, a ligação com o público: “é o mesmo; quer se esteja em Nova Iorque ou num teatro local de Fresno”, frisou.
“Era hiperativa mas ali senti-me calma”
A artista percebeu, assim, que queria seguir uma carreira no teatro, logo “três minutos depois do início do primeiro espetáculo”, lembra. “Era hiperativa mas ali senti-me calma e livre; senti naquele momento que era aquilo que ia fazer o resto da vida; era onde me sentia mais eu”.
Prometendo aos pais um “curso”, acabaria por entrar no conservatório de Juilliard, onde não há teatro musical: escolheu voz clássica, um caminho que a marcou e deu ferramentas mas que foi em certos pontos “muito duro”, frisou, porque todo o programa a tentava “levar para o género” clássico. Adiantando que sem o curso não teria porém descoberto este lado da sua voz – que se revelaria crucial para papéis como o de “Porgy & Bess” de Gershwin, concluiu: “é por isso que, hoje, digo sempre aos meus alunos: estás sempre no teu caminho; às vezes não te apercebes que estás, mas estás”.
Sem tabus, Audra levou, com as suas histórias, o público ao mundo do teatro musical nas suas mais diversas nuances: os preconceitos contra ele, o trabalho que envolve. “Algumas das pessoas mais talentosas e mais famosas que conheço são as mais simpáticas e as que trabalham mais”, disse a dado ponto. “Fazem-no porque trabalham pelo trabalho; pela alegria, a paixão pelo teatro. E essas são as pessoas que sobem” ao topo. “Não se vai para o teatro para ser famoso” ou para “fazer dinheiro” frisou, mas sim porque se ama o espetáculo e a ligação com o público.
"Poder falhar para que depois corra bem”
Levou a plateia às memórias da sua primeira grande audição para o musical “Carousel”, um momento de tanta pressão que chegou a desmaiar. De novo, tirou uma lição. “Perceber que nós temos o poder” e o poder de quem vai a uma audição, lembra, é o de pensar que o “diretor de casting tem um problema, precisa de uma pessoa”; e que quem está ali é a solução. “É para isto que estudaste, é isto que sabes fazer, estas são as tuas ferramentas, este é o teu poder”, frisou.
Sobre os prémios Tony, sobre a amizade com Stephen Sondheim que sempre considerou um mentor, sobre a estrela da Broadway Zoe Caldwell com quem fez “Master Class” – e que tanto a impactou, profissional e pessoalmente, que inspirou o nome da sua filha; sobre como só aceita papéis que a assustam “porque com o medo vem crescimento e evolução”.
Sobre por vezes “falhar miseravelmente”, como diz ter acontecido na primeira vez que fez Shakespeare; sobre o espaço de ensaio de cada teatro, um local “sagrado onde devemos poder falhar para que depois corra bem”; sobre o papel de Billie Holiday e os desafios de uma personagem real, sobre o balanço entre papeis de televisão e teatro e as diferentes abordagens; os truques em palco, para contornar a rotina e, citando um conselho direto de Meryl Streep: “simplesmente respirar”; de tudo isto e muito mais consistiu a viagem de McDonald, durante uma hora.
No final do encontro, declarando o seu amor por Portugal e prometendo passar cá mais tempo, a atriz falou ainda de como é importante a educação para o público, cultivar o público e levá-lo a conhecer e perceber o teatro musical, “nem que signifique ir a escolas”.
Questionada sobre os objetivos deste evento e da associação que o criou, de transformar o país numa nova ponte do teatro musical, um local de referência no setor, a atriz foi perentória: “eu acho que o teatro musical se sairia muito bem em Portugal”, frisou, referindo o “enorme talento” que encontrou durante alguns ensaios a que assistira, falando em “vozes singulares e autênticas” e reiterando que seria uma aposta ganha. “As pessoas podem subestimar um público e achar que não iriam ou gostariam; eu acho que sim”, disse, lembrando que o teatro é uma linguagem universal e que, claramente, em Portugal as sementes estão lançadas e “o talento está cá”.
Programa segue até domingo
O Musical Theater Summit é organizado pela Music Theater Lisbon (MTL), associação cultural sem fins lucrativos criada há apenas um ano, e que tem como missão assumida transformar o cenário do Teatro Musical em Portugal e fazer de Lisboa um ponto europeu de referência desta forma de arte.
Entre espetáculos, workshops e masterclasses, este primeiro Summit traz por isso uma programação diversificada, focada em atividades que visam promover o crescimento e a excelência deste género – que é também uma indústria de milhões – a nível nacional.
O evento termina domingo, e a Biblioteca Orlando Ribeiro recebe ainda eos Summer Intensive Workshops, onde os conceituados atores da Broadway Kristen Beth Williams e James Ludwig orquestram um ciclo de dois workshops de Musical Theater.
Há ainda a Masterclass de Escrita Dramatúrgica, para teatro e ficção, com Adam Bock, conhecido pelo seu trabalho em “Before The Meeting”, “A Life”, “A Small Fire”, “The Receptionist”, “The Drunken City”, entre outros.
No último dia da Summit, domingo, entra em cena o Showcase Broadway no Parque: um espetáculo de encerramento, com 30 atores, cantores e bailarinos portugueses e europeus em palco, acompanhados pelos atores da Broadway Kristen Beth Williams e James Ludwig, com Cris Seed ao piano, resultado do trabalho desenvolvido ao longo de cinco dias no evento.
O showcase é no domingo, às 21 horas, nos Jardins do Museu Nacional do Teatro e da Dança e os bilhetes estão já à venda, por 10 euros.