Uma leitura atual e fluída de "A Dama Pé de Cabra", a cargo de Manuel Morgado, assinala o novo volume da coleção "Clássicos da Literatura Portuguesa em BD".
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Durante décadas, primeiro devido à censura do regime fascista, depois pela maior qualidade e preço mais barato do material importado, a banda desenhada nacional circunscreveu-se, em grande medida, às temáticas históricas ou à adaptação de obras literárias.
De certa forma num retorno a essas origens, depois de algumas experiências soltas, desde Fevereiro a parceria Levoir/RTP tem colocado em bancas e livrarias a coleção "Clássicos da Literatura Portuguesa em BD", com versões feitas de raiz por criadores nacionais e brasileiros. "A Dama Pé de Cabra", em que Manuel Morgado revisita o conto de Alexandre Herculano, é um dos exemplos mais recentes.
E é um dos exemplos que demonstra as principais diferenças entre as abordagens clássicas e de outrora e as actuais, mais arejadas e sedutoras. Na verdade, nalgumas delas, a opção por actualizar o texto, em vez de reproduzir o original, sem desrespeito nem supressões gravosas, permite uma leitura mais actual, fluída e compreensível, o que parece fundamental para que os jovens, o público-alvo desta iniciativa editorial, possam apreender melhor a mensagem original.
A par dessa mudança, a opção por autores jovens, com traços agradáveis e cativantes, foi outra decisão acertada. No caso de "A Dama Pé de Cabra", o tom fantástico do original pedia sem dúvida uma versão desenhada por um autor como Manuel Morgado que, na sua carreira tem trabalhado, sempre temáticas que incluem espada, feitiçaria e dragões, bem visível em títulos como "Greldinard", para o mercado francês, ou a saga "Dragomante", que tem edição de A Seita.
E foi a esse género que Morgado 'colou' a 'sua' dama com um pé de cabra, atrevendo algumas cenas mais ousadas, demonstrando grande à-vontade na representação do lado demoníaco da protagonista e utilizando uma planificação aberta e diversificada, muitas vezes com vinhetas sobrepostas, destacando cenas cruciais com vinhetas de maior dimensão que chegam mesmo à página dupla.
Dessa forma, o resultado é uma narrativa dinâmica, que permite reler, como nunca o tínhamos visto, um dos clássicos mais sobrenaturais e fantásticos da literatura portuguesa.