O JN esteve com Sarah Martin nos bastidores do festival Meo Kalorama, onde a banda escocesa atuou no segundo dia.
Corpo do artigo
São uma banda incontornável do indie pop, um fenómeno raro de aclamação consensual da crítica e do público, ainda que num formato mais de culto. Os escoceses Belle and Sebastian nunca massificaram propriamente ou dominaram as tabelas e o mainstream, mas sempre tiveram um enorme sucesso no circuito independente desde a sua formação e até hoje: além da longevidade e produção quase constante, são também referência ou presença regular na cultura indie, em filmes como “500 Dias com Summer”, “Juno” ou “Alta Fidelidade”, e têm desde o início uma base de fãs solidamente estabelecida, que atravessa já gerações. São fãs devotos, apaixonados e que os seguem incansavelmente – há quem atravesse o oceano para os ver, como foi revelado por uma brasileira que subiu ao palco do Meo Kalorama na passada sexta-feira, e que tinha vindo do Brasil para a atuação em Lisboa.
A verdade é que, desde a génese do grupo em 1996, muito aconteceu nas vidas pessoais e profissionais dos Belle: houve mudanças, saídas – o nome mais sonante sendo o de Isobel Campbell que decidiu seguir uma também aclamada carreira a solo –, houve e há inúmeros projetos paralelos, filhos, diferentes localizações, a vida a acontecer. No início deste ano, o grupo cancelou mesmo a sua tour norte-americana devido a problemas de saúde do vocalista Stuart Murdoch, que sofre há largos anos de fadiga crónica.
Recuperado e já com a energia de palco que lhe é característica, Stuart e os restantes elementos atuaram no segundo dia Meo Kalorama, mas antes o JN esteve nos bastidores à conversa com Sarah Martin, multi-instrumentista e também vocalista do grupo praticamente desde a sua génese, nos anos 90. “Eu tinha acabado de chegar a Glasgow para a Universidade, e uma amiga minha sugeriu-me que me juntasse à banda do seu namorado”, explicou-nos Sarah, sobre como tudo começou. O namorado da amiga era Stuart Murdoch, e assim que ouviu a gravação, Martin soube que havia ali algo especial. “Não sei como explicar, era diferente de tudo o que se estava a fazer, era mais melódico”, explica.
Melódico é o nome do meio dos Belle and Sebastian: nestes mais de 25 anos de carreira, o seu indie rock e pop é constantemente descrito sobretudo assim, como melódico; mas também com tanto de introspetivo ou nostálgico - em “Alta Fidelidade” eram notoriamente referenciados como uma banda “triste” – como de alegre e leve, embora Martin não pareça concordar particularmente com nenhuma. Prefere destacar as “melodias”, lá está, e as letras: na escrita inteligente e muitas vezes confessional de Murdoch há ironia, crítica, sarcasmo, há histórias de vida mais e menos felizes. No espetáculo de Lisboa, percebia-se como atrás de cada música há toda uma narrativa na base, com muito nas entrelinhas.
Dois discos num ano
Depois de uma pausa maior do que o habitual- os escoceses praticamente nunca pararam mais do que quatro anos entre álbuns - em 2022 chegou o disco “A Bit of Previous”, sendo logo lançado, poucos meses depois, de surpresa e em janeiro deste ano, outro registo de originais, “Late Developers”. O último foi gravado durante as sessões do anterior, e Sarah Martin explica como se tratou na verdade de um grande grupo de canções, que não fazia sentido deixar cair. “Chegámos à conclusão de que tínhamos muitos temas, que davam para dois discos, mas não
nos fazia sentido editar um álbum duplo”, diz. O septeto não aprecia o conceito de disco duplo e desta forma conseguiu não perder músicas – embora, deixe no ar Martin, ainda possam ter sobrado algumas.
A criatividade acumulada teve um pouco a ver com a paragem da pandemia, mas não só: a artista explica-nos que algumas canções já vinham de antes, e se é verdade que Stuart Murdoch foi durante muitos anos o principal ou único compositor, também é que hoje em dia os vários elementos vão trazendo temas, aumentando o leque.
Com dois discos novos e muitos clássicos para rodar, os Belle estão então de volta à estrada e, para Sarah Martin, a passagem por Portugal é sempre bem vinda. “Os portugueses sempre nos acarinharam, e temos tocado em sítios lindos”, explica. Faz referência a uma universidade onde estiveram na última passagem – a Aula Magna, em 2019 – e a Paredes de Coura, que diz ser um dos festivais mais bonitos que já viu. “Quando era mais nova e imaginava um festival de verão, imaginava-o assim”, frisa.
Depois de mais de 25 anos a compor e na estrada a criatividade claramente não esmoreceu, já a energia nem sempre é a mesma. Para a artista, a parte das digressões ainda é importante e prazerosa, a grande ligação com o público; mas as viagens e hotéis já começam “a pesar” confessa. Haverá agora tempo para descansar: como aconteceu com várias outras bandas, os espetáculos dos Belle and Sebastian no Kalorama e depois Cala Mijas de Madrid foram os últimos da digressão mundial, e para já não há mais datas marcadas para o fiel séquito apreciar.
