Com 30 anos de carreira, a vocalista dos Portishead estreia-se nos álbuns a solo. “Lives outgrown” demorou dez anos – e várias vidas – a construir.
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Quando as expectativas são altas, é comum saírem defraudadas. A não ser que sejam sobre Beth Gibbons. A musa dos anos 90 voltou a 17 de maio aos discos, mais de 30 anos depois de começar uma carreira que, literalmente e sem clichés, impactou vidas pelo poder da música. “Lives outgrown”, o seu 1º álbum a solo, chega aos 59 anos de idade e é um arrebatador trabalho de amor e reflexão. Construído ao longo de uma década espelha, sem filtros, as mágoas e apanágios de uma vida.
Demasiado tempo depois da sua última passagem pelos discos, Gibbons traz-nos, num conturbado 2024, um bálsamo em música. Nos 10 anos que admite ter demorado a fazer os 10 temas de “Lives outgrown”, Gibbons foi à luta com a vida - e com o seu corpo - e venceu. Sobre o álbum, ela conta como a certo ponto se viu sem esperança, “uma tristeza que nunca tinha sentido”. Confrontou -se com a maternidade, ansiedade, a meia-idade, menopausa, insónias, perda, morte.
Diz que se se despediu de pessoas e do seu “antigo eu”, e saiu do outro lado com uma certeza que partilha: “temos de ser corajosos”. E somos, carregados pela sua aparente (mas nunca) frágil voz. “Tell me who you are today”, desafia logo no 1º tema, mas é ela quem o faz: canta-nos quem é hoje, como consegue “fazer o corpo curar-se”. Fá-lo com uma sonoridade mais orquestral, mais acústica e longe do trip hop, tão esmerada.
Passam-se agora 30 anos do álbum que nos apresentou Beth e os brilhantes Portishead, com Geoff Barrow e Adrian Utley. “Dummy”, de 1994, a estreia do trio de Bristol que ajudou a construir o trip hop, é um dos discos da vida para uma abundância de pessoas: quem cresceu naquela época, dificilmente não verá nele uma banda sonora de memórias e experiências, um primeiro confronto com angústia, catarse e beleza, que a voz de Gibbons alumbrava.
Os Portishead fizeram mais dois discos importantes e depois Beth manteve a carreira, sem pressas: colaborou com Paul Webb (Rusty Man), Rodrigo Leão, Annie Lennox, Kendrick Lamar, com a Orquestra Sinfónica da Polónia.
A estreia a solo, num trabalho onde é importante e notória a participação do baterista dos Talk Talk, Lee Harris, e a produção de James Ford (Depeche Mode, entre outros), acontece agora, porque tinha de ser. “Hey, you over there; Don't pretend you're unaware; Realise the tenderness; Appreciate the sweet caress”, canta em “Lost changes”. Só agora nos podia falar do que a atingiu, de um mundo em que tudo está à venda (“For sale”), dos fardos da vida (“Burden of life”), puxar-nos para as suas assombrações; mas mostrar-nos o caminho de volta.
"Lives outgrown" está disponível nas plataformas e nos formatos LP Standard, Deluxe LP (manga Tip-on Gatefold, vinil pesado, livreto de 4 páginas, scrapbook de estúdio A5 de 12 páginas), CD Standard e CD Deluxe (livro encadernado). As compras na DominoMart & bethgibbons.net vêm com um cartão-postal assinado.