Nome maior de um cinema norte-americano empenhado politicamente, membro do grupo L.A. Rebellion, também conhecido como Los Angeles School of Black Filmmakers, Billy Woodberry estreou-se na realização em 1984 com o já clássico “Bless Theirs Little Hearts”.
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A viver em Portugal há dez anos, estreia agora nos cinemas “Mário”, sobre Mário Pinto de Andrade, fundador do MPLA. Estivemos a conversar com o realizador.
Desde quando é que se interessou pela história do Mário Pinto de Andrade?
Soube dele pela primeira vez ao ler um texto dele sobre os movimentos de libertação africanos, publicado em inglês numa antologia. Eu já era muito empenhado politicamente, na altura. Estava a par da realidade dos movimentos de libertação do colonialismo português em África. Nesse texto o Mário também falava do Brasil e da importância do Brasil para ele e para a literatura angolana. Eu na altura estava obcecado com o Cinema Novo brasileiro e tinha começado a ler livros de autores brasileiros.
Quando é que pensou que tinha de fazer este filme?
Quando fui para a escola de cinema vi o “Sambizanga” e percebi que ele tinha colaborado na história. Vi muitos filmes cubanos sobre a Guiné-Bissau e fui seguindo o que a Sarah Maldoror foi fazendo. Guardei todas essas referências. Quando vim para Portugal em 2014 estava a acabar outro filme e tive uma boa experiência a trabalhar com a equipa portuguesa. Se vinha para cá, porque não fazer outro filme? Comecei então a pesquisar outras coisas sobre o Mário Pinto de Andrade.
Quanto tempo é que demorou a coligir todos os arquivos que vemos no filme?
Foi um longo processo. Começámos em 2015 a recolher material. Dois anos depois fizemos as primeiras entrevistas. Mas demorou tempo a encontrar financiamentos. Foi só em 2021 que tivemos um apoio da Fundação Ford e eu ganhei uma bolsa da Fundação Guggenheim. Mas na prática estávamos sempre a procurar e a encontrar material de arquivo. Depois pude ver a entrevista de três horas que a Diana Andringa fez com o Mário Pinto de Andrade. E isso foi especial.
A vida dele foi muito complexa. Como é que com todos esses materiais conseguiu contruir uma narrativa?
Com a minha produtora associada, a Teresa Gusmão, estabelecemos uma cronologia da vida dele. E consegui escrever um guião, que alguns produtores me pediam. Também lhes dei uma primeira ideia de como o filme seria visualmente. Com esses documentos, tínhamos um guia, que usámos quando começámos a montar o filme. A primeira versão tinha seis horas, tínhamos posto tudo. E fomos cortando até à versão final.
É curioso, porque no seu filme o Mário Pinto de Andrade só aparece ao fim de algum tempo.
Quando aparece, tem um significado. O que ele diz mas também o que vemos no rosto dele. Por vezes há emoções em conflito e isso enriquece o filme. Na primeira versão víamos o Mário demasiado. Achei que podíamos narrar a história dele. Precisávamos de material para o fazer e felizmente encontrámos. Ele aparece quando diz que gostava de desaparecer, que se queria afastar. Pareceu-me o momento certo para aparecer no filme.
Durante a vida dele arranjou muitos amigos, mas também perdeu muitos amigos. Sentiu alguma resistência de pessoas a falar sobre ele?
Só uma pessoa é que não queria falar sobre ele, mas acabou por o fazer, apesar de não aparecer à frente da câmara. Ela tinha as suas razões para estar relutante, mas acabou por o fazer. Há muito tempo que não falava sobre esses acontecimentos. Foi o filho a colocar-lhe as questões, porque ele já sabia as respostas. Mas não encontramos ninguém que tivesse uma impressão negativa dele. Mesmo quando ele não estava de acordo com alguém, só falava dessas diferenças de análise ou de opinião, nunca da pessoa.
E dos que não conseguiu contactar, o que mais o entristece?
Houve um poeta marroquino, que publicou um jornal onde o Mário colaborou bastante, no período de envolvimento mais radical em Marrocos, que o Rei reprimiria deforma violenta, metendo-os na prisão. Poderia ter trazido outra dimensão cultural ao filme. Não consegui ir falar com ele porque o meu passaporte tinha expirado.
Já não conseguiu apanhar a Sarah Maldoror? Vemos as filhas dela, mas ela não. Ela morreu em 2020, com Covid,
Nos últimos anos de vida, ela sofria de demência. Quando eu comecei a trabalhar no filme ela já não tinha capacidade para participar. E o filme tem uma certa discrição. Eu não falo de coisas de que ele próprio não fala. Mas ela é vital para a história e tem uma presença no filme.
As imagens dela na rodagem da “Batalha de Argel” são magníficas.
Estou muito orgulhoso dessas imagens. Ela esteve lá todo o tempo e ninguém deu por ela. Estava sempre ao lado do Pontecorvo. Sabendo como se faz um filme percebe-se a importância dela. Tinha acabado a escola de cinema em Moscovo, foi um dos primeiros trabalhos dela, foi fantástico encontrá-la ali.
Quando entrou para o L.A. Rebellion teve contactos com realizadores africanos?
Sim, tínhamos um professor na UCLA que convidava realizadores africanos, como o Sembene Ousmane, para mostrar os filmes deles. E o etíope Hailé Gerima veio dar aulas na nossa universidade. Vinham muitas vezes a festivais, em São Francisco ou em Los Angeles. Estávamos a par do trabalho deles.
Que outros filmes do resto do mundo viam então e vos influenciaram?
Para mim e para muitos outros, também foi muito importante a descoberta do cinema cubano. Com a realização do Congresso de Solidariedade Tricontinental, de África, Ásia e América Latina houve várias publicações e iniciativas. Vimos o “Medina do Boé” porque foram os cubanos que o fizeram. E havia o cinema indiano independente, os japoneses, os europeus, claro. Um cinema político, claro.
Esse período foi importante para o cinema africano, mas depois o movimento como que parou.
É o estado do cinema no mundo. E a política económica do cinema. Na altura essa geração construiu mesmo uma organização de realizadores pan-africanos, dois festivais, um em Cartago o outro no Burkina Faso. Mas a evolução global da política económica não favoreceu o seu desenvolvimento.
Pode falar-se em pós colonialismo cultural?
A Europa apoiou a criação de infraestruturas em África, o problema é haver capacidade para as sustentar. A Argélia era um lugar fantástico para o cinema, com gente muito talentosa. Mas viveu uma guerra horrenda que destruiu tudo. Ainda há alguns nomes a surgir, mas depois há sempre guerras e destruição.
Há uma indústria na Nigéria, mas de produção em vídeo, à custa do streaming, da Netflix.
Sempre houve uma suspeita de que os realizadores africanos só faziam cinema de autor, para os festivais. Mas mesmo os que fazem um cinema mais popular, para o público, precisam de salas para mostrar os seus filmes. De qualquer forma, há uma nova geração, que tenta fazer os seus filmes, que vê os clássicos. Tenho esperança que o mundo melhore.
Nos Estados Unidos, a meio dos anos de 1980, Spike Lee trouxe s histórias dos afro-americanos para o mainstream. Como vê a situação hoje?
Tenho que dizer que há mais realizadores negros hoje do que nunca. Trabalham mais, têm mais acesso ao cinema e a outros formatos, como o streaming. E têm tido sucesso. A situação ainda não é a ideal, mas há mais representatividade. Conseguiram convencer a indústria que tinham a mesma capacidade para gerir orçamentos de milhões. Veja o sucesso de “Black Panther”. O Ryan Coogler veio da escola de cinema. O Antoine Fuqua é um realizador de filmes de ação. Mas não sabemos como é que esta indústria vai evoluir.
O movimento #metoo também conseguiu chamar a atenção para problemas graves que as mulheres viviam na indústria do cinema.
O #metoo teve um papel significativo. Hoje há mais mulheres a trabalhar na indústria do que nunca. Houve campanhas, porque não havia equidade em termos da possibilidade de ter trabalho. Arranjar trabalho é difícil para toda a gente, mas as mulheres conseguiram ganhar uma batalha contra uma forma muito antiga de discriminação e de violência e assédio no local de trabalho. Era uma questão grave, que precisava de ser levantada.
Vive entre nós há cerca de dez anos. Sente-se em casa, em Portugal?
Felizmente, fui recebido com generosidade pelas pessoas. E também pela comunidade cinematográfica. Portugal um lugar muito agradável para viver. Tem sido caloroso, mais do que eu estava à espera.