O regresso dos Blur foi a prato principal da ementa do segundo dia de Super Bock Super, que levou 18 mil pessoas ao Parque das Nações. O festival termina esta noite ao som de Florence + The Machine, Franz Ferdinand & Sparks e Unknown Mortal Orchestra.
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Cones de gelado gigantes com luzes néon, um tilintar que faz adivinhar a chegada da carrinha de gelados à cidade. O cenário saiu diretamente de "The Magic Whip", o novo disco dos Blur, e é o aperitivo para a entrada em cena da banda mais aguardada da noite.
"Go Out" é a malha do novo disco convocada para dar início a quase duas horas de concerto, em que há novo registo para apresentar, mas a obrigatoriedade de saciar o povo com os êxitos em que estão assentes os 25 anos de carreira da banda.
Damon Albarn é o agitador de serviço, ar de rufia, dente de ouro a reluzir, e o rock no corpo que o lança logo à multidão. Não há tempo a perder. Há canções de oito discos para servir a um público que os teve por cá há dois anos - no Primavera Sound, no Porto - mas que celebra cada regresso como se fosse a primeira vez.
Os anos 90 chegaram logo à segunda música com "There's No Other Way", para depois se fazer inversão de marcha até à novíssima "Lonesome Street" e, outra vez, marcha atrás para "Badhead", "Coffee & TV" e "Beetlebum". Albarn encavalita-se para chegar ao público e espicaça-o para garantir que não há quebras de entusiasmo (o que se verifica nas canções menos populares de outrora e em algumas do novo disco), aos saltos em palco a fintar a idade e a fazer-nos acreditar que nada mudou nos últimos 25 anos.
A eficácia dos êxitos que inscreveram na história da britpop, essa, mantém-se inalterada ou até ampliada, a ver pelos adolescentes que já os terão conhecido via VH1 e que cantam a "Parklife" de 1994 como se fosse um produto de 2014. Um dos fãs que se encontrava junto às grades - com quem o JN falou durante a tarde - foi convidado a subir ao palco para partilhar a canção com a banda, um momento de euforia que o deixou colado a Damon Albarn num longo e sentido abraço.
Para a reta final foi deixada a curta e ultra eficaz "Song 2", catalisadora de toda a energia existente por metro quadrado e que até teve direito a "crowd surfing" e "mosh", coisa rara por estes dias.
"Girls & Boys" foi o desejável desassossego no encore, flanqueada por "Stereotypes", "For Tomorrow" e a derradeira "The Universal". Apesar das diversas falhas de som, alheias às virtudes da banda, este é, certamente, um dos concertos que marcará esta 21.ª edição do festival.
Da Chick, esta miúda tem muito andamento
Uma das surpresas da segunda noite de Super Bock Super Rock foi o concerto da portuguesa Da Chick. Portuguesa no bilhete de identidade, mas com um espetáculo cativante que evoca o imaginário americano da soul e funk dos anos 70 e 80.
"It's a Funky Show", prometiam os ecrãs ao lado do palco. E foi mesmo. Da Chick - nome artístico de Teresa de Sousa - conquistou uma vasta plateia que se foi reunindo em torno do palco Antena 3, contagiada pela explosão funk, soul e groove que marcou cerca de uma hora de espetáculo.
Ela é a rapariga no meio de homens - seis músicos e um bailarino - e a "momma" ao comando desta máquina do tempo que nos transporta para o universo disco-funky dos anos 1970.
Com um punhado de excelentes canções do disco de estreia, "Chick to Chick", editado este ano, a rapariga domina os palcos como se fossem a sua casa desde sempre: mune-se de um sotaque americano, de um tom provocador e de constantes interpelações ao público, cena à filme que faz a plateia sorrir e cuja teatralidade lhe assenta na perfeição.
A dinâmica da banda é mais do que evidente e provada a cada canção - "Do the Clap", "Funk Call" ou "Cocktail" - e a faísca de sedução malandra entre Da Chick e o bailarino que a acompanha provoca sorrisos e aplausos entre o público. Se a voz é um dos principais ativos de Da Chick, o carisma e o forte sentido de espetáculo fazem antever um futuro promissor.
Alguns dos que acabaram por desaguar no palco Antena 3, perto da escadaria do Meo Arena, vinham ainda com o corpo em transe com o indie rock de impressão post-punk dos nova-iorquinos The Drums. Os rapazes confessaram que não davam concertos há algum tempo, mas ninguém deu pela falta de treinos.
Com um passaporte carimbado por várias passagens por Portugal, a banda (que agora se assume como duo) veio apresentar o seu último trabalho "Encyclopedia" (2014), mas não esqueceu as canções que os popularizaram junto do público.
"Book of Stories", "Best Friend" ou "Let's Go Surfing" vieram de 2010 - do disco de estreia, "The Drums" - com ligação direta aos corpos que seguiam (dentro do possível) o movimento frenético do vocalista, Jonathan Pierce. Com um frenesim corporal herdeiro de Ian Curtis, Pierce contorce-se de forma hipnótica (com o seu casaco de palmeiras brilhantes), enquanto, imóvel, Jacob Graham se refugia entre os sintetizadores e as teclas.
Em palco, são acompanhados por mais três músicos, mas é indiscutível que todas as atenções recaem sobre o homem que marca o ritmo e prende o olhar durante todo o espetáculo. "Down by the Water" - peça belíssima do primeiro disco - foi a eleita para a despedida.
Antes, momento alto no palco EDP com a estreia em Portugal de Benjamin Clementine, o inglês errante e de talento ímpar que tem surpreendido o mundo com a sua história de vida e com a sua voz portentosa.
Desavindo com a família mudou-se de Londres para Paris, viveu sem-abrigo, teve diversos trabalhos precários e tocou em bares até que o seu talento foi descoberto e dado a conhecer ao mundo. Em síntese, é esta a história de Benjamin Clementine, combustível para composições profundas alicerçadas na dor, na poesia, na esperança, numa vida que faz esquecer que tem apenas 26 anos.
Debaixo da pala do Pavilhão de Portugal, foram muitos os que se renderam à sua figura imponente sentada ao piano a desfiar as canções do disco de debute, "At Least For Now". Espera-se, agora, o regresso urgente para um concerto em nome próprio.