Filme de Martin Scorsese, incluído no catálogo da Netflix e Apple TV, lança questões sobre a deontologia de um advogado.
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Um advogado recebe a fatura da defesa incompleta que prestou a um violador 14 anos antes. O condenado está agora à solta, estudou as leis, leu clássicos e não esqueceu o defensor. Irá colocá-lo, e à sua família, perante o teste mais decisivo. Eis o esqueleto de "Cabo do medo" (1991), filme de Martin Scorsese que conta no elenco com Robert De Niro, Nick Nolte e Jessica Lange.
Remake da obra de 1962 de J. Lee Thompson, que se baseava na novela "The executioners" (1957), de John D. MacDonald, a versão de Scorsese recupera alguns atores da fita original, como Robert Mitchum, Martin Balsam e Gregory Peck (que tem aqui o seu último papel no cinema). E explora as fendas que se abrem numa família perante uma situação de perigo.
Max Cady, que valeu a nomeação para o Oscar de ator principal a Robert De Niro, é um psicopata irrecuperável, mas o que se joga no filme não é o seu julgamento - que já aconteceu no passado -, mas sim duas perguntas: perante um monstro, é legítimo esconder provas que poderiam ter atenuado a pena? E, não menos importante, tem a família de Samuel Bowden estrutura suficiente para resistir à ameaça? É do lado do advogado que correm as dúvidas. Max fuma tranquilo o seu charuto.
Se a primeira pergunta abre um debate complexo que claramente não cabe nestas linhas, a segunda vai sendo respondida pelas imagens: o casamento de Bowden está em fanicos, há uma suposta amante envolvida, que será vítima de Cady e da sua retorcida moralidade, e há uma filha adolescente (Juliette Lewis, nomeada para o Oscar de atriz secundária), na idade das descobertas, que é seduzida pelo inimigo.
O ordálio da família vai revelando as suas fragilidades e divisões, enquanto o lobo a encurrala. E se a ética profissional de Bowden permanecerá uma questão em aberto, a sobrevivência do agregado irá depender de uma definição urgente de posições.