Já nas salas nacionais, o novo filme de Sérgio Graciano não faz a mínima justiça à figura histórica de Álvaro Cunhal, nem à memória dos resistentes contra a ditadura nem muito menos ao cinema português.
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Com estreia muito apropriada na semana das comemorações de mais um aniversário do Dia da Liberdade, chegou às salas de todo o país a longa-metragem de Sérgio Graciano “Camarada Cunhal”, centrando-se na preparação da famosa fuga de Peniche do secretário-geral do Partido Comunista Português, ocorrida a 3 de janeiro de 1960.
Nos espaços dedicados ao cinema neste jornal, temos dado particular atenção à divulgação do cinema português, que sofre de um endémico e injustificado divórcio por parte de um público que deveria estar interessado em que lhes contassem as suas histórias. Mas a condescendência dá sempre mau resultado e por vezes é preciso ser mesmo duro. E “Camarada Cunhal” não faz a mínima justiça à figura histórica de Álvaro Cunhal, nem à memória dos resistentes contra a ditadura nem muito menos ao cinema português.
Percebe-se que os presos políticos tenham de falar baixo para não serem ouvidos pelos guardas prisionais, mas dava jeito que os atores ao menos articulassem bem as suas frases, o ator principal, além de algumas semelhanças com o Álvaro Cunhal da época, não transmite qualquer densidade à personagem, os guardas prisionais parecem saídos de maus cartoons e a realização, se assim se pode chamar, é meramente funcional.
Sérgio Graciano é um realizador ativo e generoso. Fez no passado alguns filmes injustamente menosprezados, como “O Som que Desce na Terra”. O primeiro capítulo dedicado à trilogia das personalidades de Abril, “Salgueiro Maia – O Implicado”, tinha potencial. Já o filme seguinte, “Soares é Fixe”, era também lamentável.
Misteriosamente, Sérgio Graciano fez entretanto um belo filme, “Os Papéis do Inglês”. Dizem que o produtor, Paulo Branco, acompanhou muito de perto a feitura do filme. O que se estranha em “Camarada Cunhal” é que, embora produzido pela Sky Dreams, produtora mais de projetos televisivos, a NOS, com responsabilidades enormes neste projeto, o tenha deixado sair assim.
Numa altura em que ainda se sentem os ecos do magistral e comovente “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, como é possível que se tenha feito desta maneira este “Camarada Cunhal”? O cinema português não é este e, felizmente, anda por aí vivo.