"Selfie destruction" é o sexto álbum de originais de PZ.
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PZ terá sido dos músicos que menos sofreram com os confinamentos, porque há muitos anos que só precisa do seu quarto para produzir. "Às vezes desconfino e vou até à sala ou à cozinha", diz, em tom conformado e indiferente ao contexto. "Selfie destruction", uma crítica ao individualismo em que o autor se põe do lado dos condenados, como pedia Montaigne aos mais sentenciosos, traz ecos da pandemia, mas podia ter sido só mais um dia no escritório para Paulo Zé Pimenta.
Veja-se o vídeo de "Vão ser milhões", o primeiro single do novo álbum: tal como a música, é feito no quarto, lugar onde dorme e trabalha. PZ discorre, como habitualmente, sobre as suas neuroses e sobre as incongruências que deteta à volta, sempre num tom paródico, entre a ironia e o cinismo. E, de modo fluido, sem ênfase ou dramatismo, introduz visualmente o tema do vírus, multiplicando o seu rosto num ecrã até ao infinito. Como se toda a situação fosse integrada apenas como mais um aspeto peculiar da realidade.
O método de trabalho também não mudou: "Começo por criar instrumentais que depois me sugerem as letras. Ao desenvolvê-las, acabo por regressar aos beats e altero-lhes a estrutura, numa dialética constante até o tema ser finalizado". Nesse processo utiliza uma catrefada de máquinas, de grooveboxes e caixas de ritmos até aos sintetizadores dos anos 1970/1980. O que resulta numa pop gingona e também autoparódica, como se gozasse com a história da música eletrónica. Mas se podemos olhar para os discos de PZ como uma espécie de "Ases pelos ares", uma troça desbragada à "música séria", é necessário reconhecer que há muita seriedade nessa chacota, e que o desenho dos temas é tudo menos uma brincadeira.
"Uma anormalidade" ou "Incompatibilidades", canções que poderiam derivar do universo do músico sem qualquer interferência da pandemia, revelam no entanto um "sentimento mais generalizado sobre a situação" e também um aprofundar "dos conflitos que desenvolvi comigo mesmo", sendo sintomáticas de um álbum "mais cantado, onde atiro para fora tudo o que está cá dentro," explica PZ ao JN.
Mas se desde "Anticorpos", de 2005, que o músico utiliza o humor para se relacionar com todos os dilemas pessoais e sociais, com frases simultaneamente certeiras na sua crítica de costumes, e hilariantes na construção e sonoridade, agora o desafio subiu de nível: porque lidar com a pandemia em modo paródico sem cair na tontice não está ao alcance de todos. E pode até ser uma boa pista para a sanidade.
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