“The weeping widow” integra o Festival de Arte Anima Mundi, em Itália, com curadoria de arquiteto Luca Curci.
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Cândida Pinto (PT, 1980) designer de moda bracarense, vai expor a peça “The weeping widow" (A Viúva), no Festival de Arte Anima Mundi, evento paralelo à 60.ª Bienal de Veneza, e que acontece no Future Art Gallery, Palácio Pisani Revedin, em Itália, de 20 de junho a 4 de julho de 2024. A obra integrou uma instalação mais ampla que, em colaboração com um conjunto de artistas, foi concebida para as celebrações do Entrudo de Vilar de Amargo, no Município de Figueira de Castelo Rodrigo, na região beirã portuguesa.
A moda do Entrudo (do latim intoitum) inscreve-se na tradição galaico-portuguesa desde a alta Idade Média, realizando-se nos três dias que antecedem a Quaresma. Os foliões realizavam um conjunto de tropelias e catarses, para afastar o mau olhado e desafiar os deuses. Chegou a ser proibido por ação da Inquisição, ganhando a forma do atual Carnaval já no século XIX. Não obstante, a tradição permanece e em muitos pequenos lugares do interior do país, escondidos para lá de montes e vales, o Entrudo mantém-se vivo e é, em alguns casos, fator de atração turística.
Foi neste âmbito que surgiu o convite à autora para conceber um conjunto de objetos e de adereços, que partiram da utilização base do crochet, característico do artesanato e do quotidiano português de outrora, que recriavam o disfarce necessário para travessuras e brincadeiras da celebração, somando-lhe o dramatismo da perda escondida de um ente querido e um certo voyeurismo, especialmente patente do trabalho criativo de registo do evento.
“The weeping widow” é, ainda, a afirmação de um destaque às antíteses do que é ser mulher que marcam o trabalho mais transversal de Cândida Pinto enquanto designer de moda e styling. A proposta que Cândida Pinto apresentou para o Entrudo de Vilar de Amargo e que agora chega a Veneza, lugar onde o Carnaval e a máscara têm particular relevância, é, neste sentido, uma expansão daquilo que é a sua atividade principal e missão e que passa pelo empoderamento da mulher através da imagem.
Cândida Pinto não foi sempre designer de moda e esta é uma história que interessa contar. Foi, isso sim, sempre altamente vinculada aos fazeres do têxtil, costurando, desde criança, as suas próprias roupas e mantendo um interesse pela moda e pela estética de uma forma geral. Aos 35 anos abandona uma bem-sucedida carreira de professora e decide criar a Embrace.Inc, marca que mantém até aos dias de hoje e que, mais do que coleções, cria peças exclusivas e personalizadas, fundamentalmente para mulheres. Fez formação em áreas relacionadas com o design de moda, o styling e o marketing e, pelo caminho, teve um filho.
É no exercício da plenitude da sua feminilidade que compreende que a sua marca, mais do que uma marca, deve mover-se por princípios de sustentabilidade, verificados não apenas pelo uso e respeito pelos materiais, como pela escolha de equipas de trabalho, dominadas por mulheres, artesãs-costureiras, responsáveis por casas, lares e rotinas, e ainda assim proativas, através do trabalho, contra a opressão. A história da marca também se faz de vestir personalidades para grandes eventos, mas faz-se, sobretudo, das escolhas de mulheres reais.
O processo de trabalho de Cândida Pinto começa no diálogo e no encontro que a faz passar ao desenho e depois à escolha muito criteriosa dos materiais, excluindo, por exemplo, as peles de animais das suas produções, bem como todos aqueles que, pelas lavagens e processos de produção, têm elevado impacto ambiental.
Também como styling, Cândida Pinto destaca-se por fazer, junto dos seus clientes, não um apelo ao consumo, mas um exercício de reutilização e de transformação de muito do que já existe no espólio pessoal de cada um. Cada peça conta uma história e é por isso que, ao longo do seu percurso, a designer tem abraço projetos mais autorais onde é desafiada a explorar matérias e contextos específicos.
“The weeping widow” é, assim, resultado do processo de expansão criativa a que se expôs como resultado da exploração do crochet e dos conceitos de ancestralidade e memória. É uma obra, que viaja para Veneza com outros elementos que integraram a instalação original, que nos traz a consciência da dor e do infinito. Insere-se numa tendência crescente da produção artística contemporânea de fusão com práticas outrora artesanais e que provêm das tecnologias do têxtil (ou da cerâmica, ou do vidro, a título de exemplo) e que reinventa a ideia de pop arte como expressão da combinação no novo com o de outrora.
Com a curadoria do arquiteto Luca Curci, o Anima Mundi irá também receber uma obra do escultor Pedro Figueiredo (PT, 1974): “Outra pele”, um lagarto com o dorso em decalques de renda, outro dos elementos constituintes da instalação do evento supramencionado, cujo projeto e identidade visual foram também dirigidos pela própria Cândida Pinto, na aldeia remota do distrito da Guarda.
Cândida Pinto não pretende, contudo, abraçar uma carreira como artista, mas antes ampliar ferramentas e conhecimentos, exteriores e interiores, que lhe permitam continuar a saber encontrar a forma certa para as medidas de qualquer mulher que escolha ser vestida por ela.
A Câmara Municipal de Braga, que vai exibir “A Viúva” na Noite Branca, em setembro, em Braga, e a Câmara Municipal da Figueira de Castelo Rodrigob são parceiros oficiais desta investida de uma portuguesa em Veneza.