Filme escolhido para a abertura da edição deste ano do Festival de Cannes, "Jeanne du Barry", de Maiwenn, é um desperdício de 22 milhões de euros, acentuado pela pobre participação de Johnny Depp.
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Com a presença de Johnny Depp a dividir opiniões, entre aplausos e contestações, ele que é o Rei Sol do filme de abertura, começou com a habitual pompa a 76ª edição do Festival de Cannes. Chiara Mastroianni, mestre de cerimónias, surgiu em palco a cantar, apresentou o júri oficial, presidido pelo duplo vencedor de Palmas de Ouro, o sueco Ruben Ostlund e passou a palavra ao grupo californiano Gabriels, que tocaram o clássico "Stand By Me".
Depois, foi a vez de Uma Thurman apresentar o vencedor da Palma de Ouro de Honra, o ator e produtor norte-americano Michael Douglas, que subira a icónica passadeira vermelha acompanhado pela sempre elegante esposa, a atriz Catherine Zeta-Jones. Douglas, cada vez mais parecido com o seu lendário pai, Kirk Douglas, sublinhou o cinema como ponto de convergência, num mundo pós pandemia e em guerra, mas capaz de unir os seres humanos, concluindo: "A Cannes e à França, beijo-vos do fundo do meu coração".
Foi ainda Douglas, e uma esplendorosa Catherine Deneuve, imagem do cartaz oficial do festival deste ano, que declararam aberta a 76ª edição de Cannes. Lugar ao cinema? Nem tanto, atendendo à escolha do filme de abertura...
É verdade que Cannes é sempre um local de descoberta de novos talentos e o reencontro com autores consagrados que, ao longo dos anos, se tornaram parte da "família" do festival, umas vezes confirmando o seu talento, outras desiludindo, é certo. Mas Cannes tem sido cada vez mais uma porta de serviço à indústria de cinema francês, ao seu lado mais comercial, conservador, por vezes mesmo bafiento.
"Jeanne du Barry" é isso mesmo, um produto luxuoso, um pudim de capitais que chegam de lugares tão distintos como os sauditas do festival de Red Sea, criado como uma espécie de Cannes do mundo árabe, ou da Netflix, um pouco escondida no genérico do filme. E, claro, tudo o que se pode imaginar de fundos franceses, sugados até ao tutano por uma produção onde só o que se gastou em guarda-roupa deveria chegar para um ano de produção em Portugal.
"Jeanne du Barry" conta, uma vez mais e sem necessidade, a história da cortesã de origens populares que se tornaria a favorita do Rei Luís XV, depois de um encontro organizado entre o seu amante, o Conde Du Barry e Richelieu, para escândalo da corte. Maiwenn é uma "invenção" de Cannes. Alguns dos seus filmes que por aqui passaram, e talvez não estranhamente até conseguiram prémios, "Polisse" e "Mon Roi", mostravam já a falta de talento da realizadora.
"Jeanne Du Barry" confirma Maiwenn, aqui realizadora, argumentista, produtora e atriz principal, como alguém com um ego do tamanho de Versalhes. Péssima atriz, incapaz de uma qualquer paleta de expressões, não é capaz de um qualquer rasgo de realização, assinando um filme a cheirar a mofo, mal filmado, sem qualquer noção de onde colocar a câmara, mal e uniformemente iluminado, talvez a pensar mais na televisão do que no ecrã de cinema, com uma música tonitruante e uma narração sonolenta que mascara a falta de capacidade de construção narrativa.
Johnny Depp, infelizmente, parece estar tão morto para o cinema como Luís XV no final do filme, ausente enquanto ator por detrás de tanta maquilhagem. Não se percebe aliás qual a química entre as personagens e, apesar de Maiwenn e Depp terem subido a passadeira vermelha de mãos dadas, a atriz e realizadora não escondeu já, em várias entrevistas, as dificuldades de gerir o ator norte-americano durante as filmagens.
Para o cinema francês, tudo na boa. Filme de abertura de Cannes, mediatismo alcançado, apesar das primeiras reações da imprensa internacional não serem realmente as melhores, o filme estreou também ontem em todo o país, à espera dos muitos milhões de espetadores necessários para fazer render o investimento. Em Portugal, o filme só estreia mais para o fim do ano. Espera-se que, ao longo do dia de hoje, o cinema comece verdadeiramente a aparecer.