Artista apresenta novo disco sábado em Lisboa e domingo no Porto.
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Todos somos fruto das nossas vivências. Rocío Marquez, cantora flamenca que se apresenta em dose dupla em Portugal - sábado, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa; domingo, na Casa da Música, no Porto -, não é exceção.
Rocío Marquez cresceu na serra em Huelva, a poucos quilómetros da fronteira portuguesa, numa família em que todos cantavam de forma amadora. Esse facto levou-a, por brincadeira e animada pela família e amigos, a subir aos palcos das "peñas" (coletividades) desde os oito anos. De convite em convite, ainda antes de ter atuado no Shakespeare's Globe de Londres, no Olympia de Paris ou na Philharmonie do Luxemburgo, venceu o maior galardão atribuído a um cantor de flamenco - "Lampara Minera" (2008). "Quando ganhas um prémio destes tens de acreditar que este é o teu caminho", afirmou então.
Em vez de construir uma carreira artística baseada nesse trunfo, Rocío Marquez, hoje com 34 anos, quis aprofundar conhecimentos, acabando por defender uma tese de doutoramento sobre "La técnica vocal en el flamenco: fisionomía y tipologías".
"Por questões sociais e políticas, o flamenco esteve sempre afastado do Mundo académico. Era algo inato, vinha das raízes e nascia da improvisação. Os primeiros escritos são de 1800, quando sabemos que é muito anterior a isso. Esta nova geração está a mostrar que as disciplinas artísticas também podem estar nas universidades", diz.
Disco de segunda mão
A Portugal, onde esteve três vezes - a última das quais no último verão, festival Festim -, traz "Visto en el Jueves", o seu quinto disco, editado em março do ano passado. "O Jueves é um mercado de segunda mão que acontece às quintas-feiras (jueves) em Sevilha, e em que há muitos livros e vinis. Recuperámos canções e poemas que encontrámos nesse mercado e regravámos, mas com uma nova sonoridade", explica.
Rocío Marquez acredita que nas centenas de palos (ritmos) flamenco, aqueles em que se defende melhor são as seguiryas. São, diz, "o que mais me custou cantar na vida"; os fandangos de Huelva são uma forma de a "fazer regressar à infância"; a terceira escolha recai sobre os cantes mineros, porque, explica, "socialmente destroem-me pelas suas vivências".
A análise que faz do cante flamenco atual e da sua globalização é positiva. "No século passado começámos por ter vozes muito agudas, como El Fillo. Depois da guerra (civil espanhola), triunfaram vozes mais fortes, como a de Antonio Mairena. Seguiu-se o trunfo de vozes mais "sujas", como a de Camarón ou de Enrique Morente. E agora todas essas propostas podem conviver, desde as tradicionais até às alternativas", diz.
O seu olhar crítico sobre o flamenco já lhe valeu dissabores, já foi rotulada de "feminijonda" (feminista flamenca), porque alegou que existia machismo no flamenco. "Atualmente, somos mais conscientes do género. Mas se por um simples comentário já estás a ser insultada, não há maior prova do que isso. Há mulheres fundamentais na história do flamenco: Fernanda e Bernarda de Utrera, Niña de los Peines, Carmen Linares (vencedora em 2019 do Prémio Terras sem Sombra). É um caminho para continuar".