Carlos Alberto Moniz: "Este álbum é sobre o mar e os amigos que cantaram comigo ao longo da vida"
Para assinalar 51 anos de carreira, Carlos Alberto Moniz lança esta quarta-feira um álbum triplo com 51 canções dedicado ao tema do mar, no qual participam 88 músicos portugueses, de todos os estilos musicais, onde não faltam cantigas infantis.
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Autor de canções bem conhecidas, muitas delas para a infância - como o disco "Fungagá da Bicharada" -, Carlos Alberto Moniz tem sido autor de álbuns, compositor, intérprete e maestro há 51 anos. A assinalar a data não redonda, o músico de 74 anos lança hoje um álbum triplo chamado "Por esse mar abaixo", na Fundação Oriente, em Lisboa, onde participam alguns dos 88 músicos, a maioria deles cantores, que entram neste projeto. Este coletivo abrange um grande espetro da música portuguesa, de Fausto a Quim Barreiros, passando por fadistas como Kátia Guerreiro e Ricardo Ribeiro, e por cantores como Pedro Abrunhosa, Rita Redshoes, Luís Represas e Sérgio Godinho. No dia 15 de fevereiro, dá um concerto na Casa da Música, no Porto.
O Carlos é uma pessoa muito conhecida e que associamos a canções emblemáticas, mas há uma parte da sua carreira que é muito discreta, tem essa noção?
Eu nunca tive muita vontade de me pôr em bicos de pés para aparecer nas revistas e nos jornais, a não ser que fizesse alguma coisa de jeito. É um bocado discreta porque as pessoas com quem andava a tocar - o José Afonso, o Adriano Correia de Oliveira, o Carlos Paredes - também eram pessoas que não estavam propriamente nos galarins da fama. Há mais gente hoje em dia a dizer "ai, as canções do José Afonso e do Adriano, e o Paredes que bem que toca...". Na altura, eles, coitados, tinham dificuldade até em viver. Quem gostava deles, pedia para irem de borla...
Falando em José Afonso, a pauta original da "Grândola, Vila Morena" está nas suas mãos, como foi isso?
Nós andávamos a tocar, e ele disse "Ó Moniz, escreve lá isso", para ficar registado, e ele assinou "Um abraço amigo, do José Afonso". Vale mais do que qualquer quadro de um pintor célebre.
Qual foi o seu propósito com este conjunto de 51 canções, quis registar também o seu legado?
O legado será o próximo disco, este é só cantar o mar. Como açoriano que sou, o mar está muito presente, até costumo dizer que aprendi a nadar ao mesmo tempo que aprendi a andar. Vivo na Ericeira, convivo muito com os pescadores e eles ajudaram-me a fazer as fotografias para a capa do disco e agora estão arranjar umas redes e uns cofres de apanhar polvos para eu pôr no palco no dia do lançamento. E isto é bonito que se saiba: um deles, que também se chama Carlos Alberto, a quem chamam o "Refilão", disse-me assim "Eu vou a casa num instante, buscar uma camisa de pescador antiga, que foi a minha mãe que fez e ela só sai daquela casa quando eu vou na procissão com o andor às costas". E é assim que eu apareço no booklet e nas fotografias interiores com a camisa do "Refilão".
O Carlos foi intérprete, autor, compositor, maestro de mais de 500 canções. Como escolheu estes 51 temas?
Tinham que falar em pescadores, ou em mar, baleias ou tempestade. O elo de ligação foi também o de serem de poetas açorianos, cabo-verdianos, madeirense e timorenses, tenho uma canção com um texto do Xanana Gusmão. A maioria são de poetas açorianos com quem convivi, como Natália Correia, e cerca de 80% das canções são música minha. As que não são, foi porque encontrei quem fizesse melhor que eu aquele tema que eu queria. Por exemplo, a canção "Rosalinda" do Fausto, que é uma obra prima da música portuguesa. Quando pedi autorização ao Fausto perguntei se não queria cantar comigo. Ele nunca sai de casa, não tem muita paciência, pelo menos é o que dizem! Foi comigo dois dias o estúdio, almoçámos, conversamos e gravamos a "Rosalinda". Estou a cantar lado a lado com o Fausto, que é uma coisa que sabe muito bem. Considero-o um dos grandes compositores da música portuguesa, assim como o Zeca Afonso.
Para fazer este disco, acabou por rever alguns amigos e velhos conhecidos.
É verdade. Há uma canção do disco, que foi agora relançado do Zeca Afonso, que é "Vou ser como a toupeira", que eu fui gravar com ele em 1972. É "Fui à beira mar" e eu fiz o arranjo igual, com a guitarra e um xilofonezinho, e como o Zeca não estava cá para cantar comigo, cantou o Francisco Fanhais, que também era um companheiro de sempre do Zeca.
Por falar em Fausto, o disco dele chama-se "Por este rio acima" (faz este ano 40 anos) e o seu chama-se "Por esse mar abaixo". Foi de propósito?
Isso, até rimos os dois. Eu disse ao Fausto que nunca faria um disco chamado "Por esse mar abaixo" sem que ele me desse autorização, porque isto é um plágio de sentido contrário! Ele disse que não fazia mal: a gente chega à foz do rio, o Fausto vai pelo rio acima e eu vou pelo mar abaixo.
Vai do Fausto a todo o lado: tem até uma canção com o Quim Barreiros.
É uma canção chamada "Barco parado", é a única letra que é minha. Eu não sou poeta nem escritor, mas é sobre o navio Samacaio, uma canção que toda a gente canta lá nos Açores, que o Samacaio deu à costa... Achei que o Samacaio tinha que chegar ao Maranhão em lugar de afundar-se, aportar e depois, no regresso, traz o Camões a bordo à procura da Ilha dos Amores, bebe-se vinho verdelho a bordo, as sereias quando vão a bordo já não querem voltar para o mar... e hoje em dia o Samacaio é um navio de cruzeiro. E então quem convidei para tocar isto? O Fernandinho Mendes, d´"O Preço Certo", o Augusto Canário, o Quim Barreiros, o Luís Aleluia e o Carlos Mendes, que disse "Eu também quero entrar com essa malta toda". É uma canção muito divertida, divertimo-nos muito a gravá-la.
Era importante incluir canções para crianças?
Tenho 51 canções e um glossário, isto é risco de vida e um disco de vida, não podia fazer isto sem ter a componente dedicada às crianças. Então resolvi gravar um texto de José Fanha, que é um companheiro de longa data, e fazer dueto com o José Barata-Moura. Ele disse " Já não canto há 40 anos, mas vou". E foi uma tarde tão bem passada com o José Barata-Moura, uma tarde inteira a cantar.
O que é que ainda gostava de fazer na música?
Agora estou naquela fase que acontece a todos os compositores, quando acaba um trabalho que levou um ano e meio a fazer: há um vazio. Tem-me acontecido nos discos todos. Fiz um só com poetas açorianos, fiz outro só com modas regionais e um quarteto de cordas, fiz um outro só sobre os Descobrimentos. Tenho feito assim sempre álbuns temáticos e neste o tema foi o mar e os amigos que cantaram comigo ao longo da vida. Andam-me a desafiar para fazer o Coliseu da Pequenada, mas não sei se vale a pena, tenho que acreditar que sim... fazer assim um Coliseu com uma banda grande e recordar as canções para crianças. Mas este álbum ainda vai ter muito que navegar, são muitos artistas e quero levá-los a várias terras onde nos convidem para ir. Tem 88 participantes, 60 deles ou mais são cantores. Gostava de ir aos Açores, porque o disco é dedicado aos Açores, se se lembrarem de fazer um espetáculo lá, pode ser que tomem conhecimento que existe.
Neste disco, há alguma canção que lhe tenha dado particular trabalho a gravar?
Como eu estive um ano e meio a gravar, havia cantores muito ocupados e alguns levaram cinco ou seis meses a chegar ao estúdio. Alguns eu já não acreditava que seria possível, mas acabaram por vir todos e têm participações que são determinantes na beleza do disco. Tenho um fado que fiz para o Carlos do Carmo, com o Ary dos Santos, e como o Carlos não está cá, convidei o Gil, o filho dele. O filho do José Mário Branco também cantou uma. A Kátia Guerreiro canta comigo uma espécie de biografia, que é uma canção do Fernando Gomes com música minha. Os que não estão, têm referências deles - uma guitarra tocada à Carlos Paredes, uma canção do Zeca, um colocar de voz da música popular do Adriano [Correia de Oliveira]... O Manuel Freire veio gravar o "Poema da Malta das Naus", o Sérgio Godinho canta comigo a "Mariazinha", que o José Mário Branco chegou a gravar a guitarra comigo. E o professor Fontes Rocha, que já faleceu há dez anos, tinha gravado comigo uma guitarra para uma canção com poema do José Jorge Letria chamado "D. João II", e eu convidei o Ricardo Ribeiro a cantar. Havia quem dissesse que ele não ia aceitar, mas ele veio e quis cantar duas. A verdade é que estão cá todos os que eu queria.