Barcelona Ballet Flamenco apresenta "Carmen", esta sexta-feira, no Casino do Estoril, e no sábado, em dose dupla, na Casa da Música, no Porto.
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Os números do Barcelona Ballet Flamenco são muito impressionantes: 50 países, 200 teatros esgotados. Mas a justificação para ver um espetáculo não tem de ser quantitativa, ainda que ver uma "Carmen" no Dia Mundial da Ópera, que se celebra este sábado, 25 de outubro, possa ser um bom pretexto.
A companhia apresenta em "Carmen" uma leitura contemporânea e rigorosa da linguagem flamenca, sem perder o vínculo à sua matriz tradicional. O espetáculo constrói-se sobre um diálogo entre corpo, "compás" e narrativa, onde cada "palo" - do "tiento" grave ao tango luminoso - revela uma faceta distinta da protagonista.
A abertura faz-se num "martinete" seco, que introduz a tensão entre liberdade e destino. O corpo de baile surge como massa viva, em linhas diagonais e ritmo contido, num desenho que sugere a prisão interior da personagem. A partir daí, a progressão rítmica é pensada com inteligência musical: a "farruca" de Escamillo contrasta com as alegrias que anunciam Carmen como força vital. Essa alternância de energia e contenção cria um discurso dramático que substitui o texto por movimento.
A direção coreográfica de David Gutiérrez evidencia profundo conhecimento dos códigos flamencos. O trabalho de pés é preciso, sem ostentação; o uso das mãos, contido, quase escultórico. O corpo de baile atua como coro trágico: nunca decorativo, sempre narrativo, sustentando o sentido emocional de cada quadro.
Musicalmente, a partitura revisita Bizet com ousadia, incorporando guitarra flamenca, "cajón" e cante em tempo real. O diálogo entre o violino e o toque de "soleá" cria um espaço sonoro que amplia o drama, e os momentos de silêncio - tão caros ao flamenco mais puro - são usados como instrumento expressivo.

