Vários cartoonistas estão a criticar os comentários racistas feitos pelo criador da tira cómica Dilbert, com um dos artistas a utilizar até o seu próprio espaço esta semana para satirizar as palavras de Scott Adams.
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Darrin Bell transformou a sua tira Candorville -- que habitualmente apresenta jovens personagens negros e latinos -- numa forma de abordar o racismo de Adams, imitando o visual e o estilo de Dilbert.
"A única razão pela qual alguém sabe quem é Scott Adams é por causa das páginas aos quadradinhos. Então, pensei que alguém deveria responder-lhe numa página de quadradinhos", sublinhou, à agência Associated Press (AP), Bell, vencedor do Prémio Pulitzer de 2019 por reportagens e comentários ilustrados.
No final de fevereiro, Scott Adams afirmou, numa transmissão em direto na plataforma digital YouTube, que a comunidade negra dos Estados Unidos é "um grupo de ódio" e que os brancos deveriam "afastar-se dela".
Adams, que é branco, era uma presença franca e controversa nas redes sociais muito antes das suas recentes declarações e referiu-se repetidamente às pessoas negras como membros de um "grupo de ódio".
Mais tarde após a polémica, defendeu que estava a ser exagerado, mas continuou a defender a sua posição.
"Quando alguém vai longe demais como Scott Adams fez, todos devem levantar-se e usar a sua Primeira Emenda para traçar uma linha -- para dizer que isso é inaceitável", acrescentou Bell, cuja nova história aos quadradinhos, The Talk, explora o crescimento de um homem birracial numa cultura branca.
Outros cartoonistas também denunciaram as declarações de Adams, como Bill Holbrook, o criador de On the Fastrack, uma tira que apresenta uma família inter-racial e, tal como Dilbert, concentra-se num local de trabalho moderno.
"Uma das coisas que eu quero destacar com os meus personagens é que as pessoas superam as suas diferenças. Pode funcionar", vincou Holbrook.
Holbrook disse que o caso Adams não representa a chamada cultura do cancelamento, mas de consequências.
"Estou totalmente de acordo com dizer qualquer coisa que queira, mas, depois, é necessário arcar com as consequências de dizê-las", defendeu.
Vários jornais diários dos Estados Unidos, incluindo The Washington Post, cancelaram a tira cómica Dilbert. Entre os diários figuram igualmente The Boston Globe, o Los Angeles Times e os mais de 300 títulos que fazem parte do grupo Gannett, um dos maiores grupos de comunicação social norte-americanos, proprietário do popular USA Today.
Enquanto alguns jornais substituíram Dilbert por outra tira, o The Sun Chronicle em Attleboro, Massachusetts, decidiu manter o espaço em branco até março "como um lembrete do racismo que penetra a sociedade".
Esta controvérsia abalou uma comunidade de cartoonistas diários que costumam criar trabalhos nas suas casas vários meses antes da publicação.
Embora sejam pró-liberdade de expressão, referem também que estão orientados para um futuro melhor.
"Acreditamos que os quadradinhos são um meio poderoso e que os cartoonistas devem perpetuar o riso, não o racismo e o ódio", frisou Tea Fougner, editora-chefe do King Features Syndicate, que distribui tiras como Candorville, Zits, Mutts e Dennis the Menace, em declarações à AP.
Scott Adams, de 65 anos, criou em 1989 a tira cómica Dilbert -- que gira em torno de um engenheiro com poucas competências sociais, e do seu cão, Dogbert -, e o seu êxito fez com que se transformasse numa série de animação televisiva.
Através dos olhos de Dilbert, o 'cartoonista' satirizou, durante anos, diferentes situações do mundo laboral, desde a excessiva burocracia empresarial às difíceis relações com os chefes ou as ligações que se estabelecem entre colegas de trabalho.