Foi com surpresa que o cartunista Onofre Varela viu, na terça-feira, a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) reagir de "forma pouco pacífica" a um cartoon da sua autoria exposto na Bienal Internacional de Arte de Gaia, entretanto retirado da mostra pelo artista, para não alimentar polémicas.
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Em causa está um cartoon que representa Adolf Hitler com a estrela de David (símbolo judaico) ao peito, com a legenda "Israel trata os palestinos com o mesmo desrespeito com que Hitler tratava os judeus".
"Como sou um homem de paz, não quero provocar guerras em lado nenhum. O cartoon funcionou, era essa a intenção e estou grato à comunidade judaica por isso. Os meus objetivos estão atingidos, mas fazer guerra para haver sangue não é comigo", diz ao JN o cartunista, referindo, no entanto, que recebeu insultos através da página pessoal de Facebook.
"Há um cidadão pacífico que é cartunista e há cidadãos nada pacíficos que apoiam a intervenção de Israel, que toma conta da Palestina e trata mal os palestinianos. E que insultaram ontem [terça-feira] a minha honra e a da minha mãezinha", relata o cartunista.
Numa carta enviada ao presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, e publicada na terça-feira na página oficial de Facebook, a CIL considera que "a Estrela de David sobreposta no coração de uma imagem desenhada de Hitler é uma ofensa grave e indecorosa", e pede à Autarquia que se "solidarize" com a posição da Comunidade Israelita.
"Somos contra a censura, mas o direito de livre expressão deve e pode ser travado quando estimula o ódio e a intolerância", lê-se na carta, na qual os israelitas vincam que "a imagem referida é ultrajante e menoriza o horror e a tragédia do Holocausto. Hitler não tratou os judeus com 'desrespeito' como referido no texto do Cartoon, tratou os judeus com um extermínio em massa e com uma desumanidade sem limites".
Onofre Varela conta que a situação lhe foi exposta numa reunião, na terça-feira, na Câmara de Gaia, pelo que optou por retirar o cartoon da exposição. "Não me senti pressionado, mas percebi que havia uma pressão qualquer que estava a ser colocada pela comunidade judaica e que indispunha a Autarquia, e não quis que essa indisposição fosse além do que já tinha ido", explica o artista, que afirma não terem existido quaisquer condicionalismos relativamente aos cartoons que poderiam ser expostos na Bienal.
Em comunicado, a Câmara de Gaia, que apoia aquela iniciativa artística, a decorrer até 8 de julho na Quinta da Fiação, em Lever, diz ver com "total agrado a decisão de retirada, pelo artista, do cartoon em causa, desta forma evidenciando a sua sensibilidade ao assunto". A Autarquia esclarece ainda que "apoia todas as instituições e iniciativas de relevante interesse municipal, sem exercer qualquer tipo de interferência na sua gestão e organização", e que "jamais põe em causa a liberdade de expressão".
"O Município de Gaia congratula-se com esta postura e manifesta total solidariedade à comunidade judaica da região e do país. Com esta atitude, fica evidenciada a postura de tolerância e diálogo que norteia, sempre, este Município", lê-se ainda no comunicado.
O JN tentou contactar, sem sucesso, o diretor da Bienal Internacional de Arte Gaia, Agostinho Santos.