
Casa do Alentejo, em Lisboa
Leonardo Negrão / Global Imagens
Coletividade apoiava naturais da região que iam viver para a capital na década de 1940. Teve uma escola, barbeiro, posto médico e até um casino.
"Porto de abrigo" dos alentejanos que vinham viver para Lisboa, nas décadas de 40 e 50, a Casa do Alentejo foi o lugar onde muitos se conheceram e alguns até casaram. Ao longo dos anos, a coletividade, situada na Baixa de Lisboa, foi perdendo a missão de apoiar quem migrava para a capital, dedicando-se essencialmente a preservar e divulgar a cultura alentejana. Depois de quase ter encerrado durante a pandemia, reergueu-se, sendo uma das poucas casas regionais que mantêm portas abertas na cidade e que completa, hoje, cem anos.
O pátio árabe, ex-líbris da sede, ladeado por imponentes colunas de estuque marmoreado, deixa deslumbrados as centenas de turistas que por ali passam. Fotografam-se uns aos outros, não imaginando as histórias e peripécias que a casa centenária guarda. "Por volta de 1980, estávamos a trabalhar e, de repente, ouvimos uma mulher a entrar na sala de jogos e a insultar o amante porque, gritava ela, lhe tinha roubado o ouro todo. Ameaçou-o de morte e ainda houve tiros", conta José Rosado, 62 anos, o funcionário mais antigo.
A ligação emocional à coletividade já ultrapassa a profissional. Foi ali que conheceu a mulher, "filha da cozinheira na altura" num baile. "Eram o grande atrativo dessa época. Vinham centenas de pessoas, que tinham de se vestir a rigor, com fato, gravata e sapatos engraxados", recorda. Manuel Verdugo, vice-presidente desta casa regional, conta que alguns até iam às escondidas dos maridos e das mulheres. "Traziam um saquinho com a roupa e iam à casa de banho vestirem-se. Durante o baile, arranjavam novos encontros", diz, entre risos.
Sopa para os que chegavam
Ali também funcionou durante 14 anos uma escola primária para raparigas, um posto médico e uma barbearia -tudo gratuito. E servia-se sopa aos alentejanos que acabavam de chegar à capital. "Quando há o processo de mecanização da agricultura no Alentejo e há muita migração para Lisboa, a Casa era porto de abrigo para quase todos", explica Manuel Verdugo. Entre 1918 e 1928, chegou ainda a funcionar ali o que se pensa ter sido o primeiro casino de Lisboa, o Magestic Club.
Um papel muito distinto do de hoje: acolhe sobretudo eventos gastronómicos e musicais, como grupos corais e de cante alentejano, congressos para debater os problemas da região, apresentações de livros, entre outros. Aos fins de semana aparecem mais jovens portugueses para petiscarem no bar, mas, no dia-a-dia, são os estrangeiros que dão vida ao espaço centenário. Verdugo admite que, hoje, "é muito difícil manter estas instituições, estando a maior parte das casas regionais desativadas".
O requintado restaurante é a principal fonte de sustento e, por isso, durante a pandemia covid-19, a Casa esteve em risco de fechar, mas recuperou com recurso a apoios do Governo e à banca. Detentora de um vasto património, por ali já passaram presidentes da República e políticos de várias partes do mundo, a fadista Amália Rodrigues, o escritor José Saramago, a pianista Olga Prates ou os atores John Malkovich e Michael Fassbender. E um casamento de um príncipe marroquino ali foi celebrado.
Pormenores
Grémio Alentejano
A formalização da associação aconteceu a 10 de junho de 1923. Em 1933, o ainda Grémio Alentejano instalou-se no antigo Palácio de Alverca, até hoje. A coletividade adquiriu o imóvel em 1981.
Património
Os azulejos de Jorge Colaço, as inscrições árabes nas paredes, um piano de cauda antigo ou um busto da República Portuguesa são algumas das relíquias que se podem ver na Casa do Alentejo.
