Para o seu mais recente filme e declaração de amor à sua Nápoles, o realizador Paolo Sorrentino escolheu uma jovem praticamente estreante para representar a personagem que dá nome ao filme, Parthenope, evocação do mito da criação da cidade. Celeste Dalla Porta enche o ecrã do início ao fim do filme.
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A Celeste não é de Nápoles. Não a preocupou interpretar uma personagem que tem mesmo o nome antigo da cidade?
Conheço um pouco de Nápoles. Desde a primeira vez que a visitei que me senti fascinada pela sua cultura, pela sua personalidade muito forte. Pelo seu mistério e pela sua beleza. Com este filme pude explorar a cidade um pouco mais em profundidade. É claro que estava assustada por interpretar uma mulher napolitana. Mas também muito honrada.
A personagem percorre todo o filme e a Celeste entra na maior parte das sequências. Ficou intimidada ou foi precisamente por essa razão que quis fazer o filme?
As duas coisas. Num dia estava completamente entusiasmada, queria interpretar esta personagem, no dia a seguir tinha medo e sentia-me um pouco perdida, com a responsabilidade de interpretar uma personagem em várias fases da sua vida.
O Paolo Sorrentino viu cerca de uma centena de atrizes antes de a escolher. Foi duro conseguir o papel?
Fiz várias audições. Foi um desafio realmente muito grande, é um preço que se tem de pagar quando se fazem audições. Mas temos de estar prontos a pagar esse preço. Durante as audições aprende-se imenso.
Ele explicou-lhe o que viu em si para este papel tão exigente?
Disse-me várias vezes que eu podia representar uma jovem e uma mulher muito mais madura. Mas foi um grande gesto de confiança. Foi um desafio para os dois. Eu antes não tinha feito nenhuma longa-metragem. Mas penso que ele também viu a minha devoção a esta personagem e a forma como estudei o guião.
Como é que ele a dirigiu?
O Paolo é muito direto. Sabe muito bem o que quer e como nos levar a fazer aquilo em que pensou. Umas vezes fala muito, outras vezes é muito sintético. Mas é sempre muito eficiente. Tivemos muitos ensaios e isso é muito importante para estarmos prontos para quando formos filmar. O Paolo é muito forte no trabalho com os atores.
No filme contracenou com muitos atores, na maior parte mais velhos do que a Celeste. Com qual mais gostou de trabalhar?
Não quero ser desagradável com os outros. Mas as personagens de John Cheever e de Marotta, que o Gary Oldman e o Silvio Orlando interpretam, são intocáveis. O afeto que ela sente por eles é muito intelectual, fica para toda a vida.
Pode explicar mais em pormenor o que encontrou em cada um deles?
A personagem do Silvio Orlando é uma figura paterna para ela, que necessita de alguém que a guie na sua carreira. E o encontro com a personagem do Gary Oldman é muito especial. É ele quem lhe diz como pode usar a beleza para abrir portas, sem que essa beleza a destrua. E é um escritor que ela adora. A Parthenope vive da carreira, da paixão pela antropologia. Estes homens são fundamentais para que encontre o seu caminho.
E o Gary Oldman, como é que decorreu o trabalho com ele. É uma verdadeira lenda…
É um ator muito generoso. E muito aberto. Está sempre muito atento e ouve o que lhe dizemos. Ao trabalhar com ele sente-se como é que ele olha para ti, como nos ouve, é realmente algo de espantoso. Já o considerava um ator incrível, era uma das minhas referências, mas ao trabalhar e contracenar com ele ainda o senti mais.
Que lições de vida aprendeu ao interpretar esta personagem?
Muitas. Mas penso que ainda não sei bem quais. Sinto que ainda não terminei esta viagem. Tento estar em contínua transformação, em contínua aquisição de ensinamentos. Seguramente que nunca tinha trabalhado tanto. Tive de me confrontar com o que é este trabalho. Para mim foi algo de extraordinário, uma grande experiência, trabalhar com toda esta gente maravilhosa.
Até que ponto se identifica com a personagem?
Esta personagem deu-me tanto e ensinou-me tanto. A forma como ela olha para o mundo, sem julgar as pessoas. A forma como está sempre à procura de algo que a possa surpreender. E também a beleza de confiar nas pessoas, de esperar que as pessoas possam ser melhores.
Pensa que este é um bom momento para uma jovem atriz se iniciar no cinema?
Claro que sim. Vivemos um momento extraordinário e importantíssimo para as mulheres no cinema. E também para novas personagens que vemos nos filmes, há uma nova tendência, com personagens como a Parthenope. E também há muitas novas realizadoras a trabalhar. Estou muito contente com esta evolução e espero que continuem a surgir novas oportunidades. Estamos num momento de transição, que espero deixe para trás velhos hábitos. Estou muito contente de estar aqui neste momento.
A personagem de Parthenope vai nesse sentido, não é vista apenas pela sua beleza.
O que é fantástico é que podemos usar coisas más e transformá-las em belas. No sentido de que os velhos vícios e os preconceitos podem ser usados como ignição para a mudança e dar-lhes a volta por completo. É um momento mesmo muito especial.
O que pensou quando o Paolo Sorrentino escolheu a Stefania Sandrelli para representar a sua personagem quando é mais velha?
Fiquei tão feliz, porque adoro a Stefania Sandrelli. É uma atriz imortal e uma grande mulher. A forma como olha para tudo à sua volta é algo de mágico, vibrante, vital. Admiro-a imenso, foi uma grande honra.
Depois deste filme o seu telefone vai começar a tocar mais vezes. Já tem uma estratégia para escolher os bons papéis?
Não, ainda não. Estou a viver o presente, não sei ainda qual será o meu futuro. Estou aberta a todo o tipo de personagens. Mas tenho de sentir alguma coisa, seja pelo guião, pela história. Podem ser pessoas boas ou más, o importante é que sejam credíveis. O cinema é uma ficção, mas é importante que eu sinta alguma coisa dentro de mim.
O que a levou a escolher ser atriz?
Não sei porquê, mas sempre me senti atraída pela representação. Deixar quem sou para trás e ser outra pessoa. Aprender sempre algo com cada nova personagem.