Centenas de pessoas manifestaram-se na manhã desta quarta-feira, frente à Assembleia da República, contra os resultados dos concursos de apoio da Direção-Geral das Artes (DGArtes). No interior decorria a audição do ministro da Cultura sobre o tema. Também em frente ao tribunal de Vila Real foram colocadas cruzes a simbolizar um "cemitério de cultura" em Trás-os-Montes pela Filandorra em protesto contra a exclusão da companhia dos apoios sustentados.
Corpo do artigo
Durante mais de duas horas decorreu a primeira parte da audição do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, na sequência dos requerimentos apresentados, respetivamente, pelos grupos parlamentares do PSD, PCP e BE, sobre os concursos de apoio sustentado às artes 2023/2026.
Pedro Adão e Silva explicou, aos deputados, que em todas as NUTS há mais entidades apoiadas, mais recursos e mais consolidação dos apoios, e escudou a sua apresentação nestes dados. Disse ter registado com alguma perplexidade que o PSD se una às reclamações do PCP e do BE de que todas as entidades elegíveis com nota positiva sejam apoiadas.
O ministro explicou que os apoios da cultura não se esgotam no modelo de concursos de apoios sustentados da DGArtes, relembrando a Rede de teatros e de Cineteatros Portugueses (RTCP) em que "por cada euro que o ministério da Cultura põe, as autarquias têm de pôr outro". Acrescentou que quando ouviu o setor, no final de julho, teve como objetivos a consolidação do ecossistema e o espaço para a renovação. O montante pedido era de 6 milhões de euros e o Governo respondeu com 16 milhões.
Nesta fórmula havia dois imponderáveis: não foi possível antecipar como iria o setor reagir, nem como iria o júri pontuar. Para esses cálculos foram usados os concursos anteriores em que o essencial era garantir a continuidade.
Neste concurso pela primeira vez as entidades receberão por inteiro a quantia relativa ao patamar a que se candidataram. Para garantir estabilidade no setor decidiram, já com o concurso aberto, fazer o reforço financeiro nos concursos quadrienais. Adão e Silva garantiu que se não o tivesse feito, a discussão no Parlamento seria outra porque haveria muito mais entidades excluídas. E deixou a ideia da criação de um mecanismo intercalar que permitisse à estruturas de criação não ter de esperar pelo resultado final para saber se serão apoiadas ou não.
Carla Miranda, deputada do PS, constatou que "em cinco anos muitas coisas mudaram" e relembrou que estas regras vêm de encontro ao que foi o processo de revisão do modelo de apoio às artes.
Tempos, dinheiro e regras
Os partidos requerentes da audição interpelaram o ministro com várias questões. Joana Mortágua, do BE lamentou que o ministro tenha tardado "um mês e meio a responder ao Parlamento, sendo um comportamento inaceitável. A deputada acusou o ministro de considerar os manifestantes "danos colaterais das suas escolhas", e garantiu que a procura por estabilidade do Governo "não produziu os resultados que pretendia levando as pessoas ao desemprego". Considerando inaceitável que candidaturas com pontuações perto dos 80% com contratos e contratos-promessa entrem agora no endividamento". E instigou o ministro a ir falar com os manifestantes.
O responsável, em resposta, disse que a proposta do BE era que o orçamento triplicasse, e como tinha duplicado já estavam mais perto de um entendimento.
Paula Santos, do PCP imputou o ministro de uma recusa para encontrar soluções, e firmou a ideia de que todos os elegíveis deveriam ser apoiados. A deputada leu também uma nota do júri, em que o montante dos bienais não foi possível para respeitar as regras concursais de coesão territorial. O ministro elucidou a situação dizendo que essa situação tinha acontecido na zona Norte, com a exclusão da Fundação Casa de Mateus e da Relevo Residual que entretanto tinham sido corrigidas.
À deputada do PSD, Carla Madureira, Adão e Silva deixou um aviso que em democracia, como era desejável, algum dia no futuro seriam Governo e que era importante ela saber que a sua posição de ir de encontro ao PCP e ao BE - pedindo que todas as estruturas elegíveis fossem apoiadas, ficaria registada.
Numa resposta mais crispada, a deputada disse-lhe que não poderia pôr esse ónus no partido. E que o que estava em causa era a "falta de diálogo da tutela com o setor".
Oposição responde
Pedro Pinto, deputado do Chega acusou Adão e Silva de ser um excelente aluno de António Costa, alegando que as 71 associações e estruturas representativas da cultura em protesto não podiam estar todas erradas. Na sua intervenção acrescentou que o ministro enganou centenas de artistas que precisaram de pedir para comer durante a pandemia, acrescentando que havia discriminação territorial sendo o Algarve e as regiões autónomas as menos apoiadas.
Joana Cordeiro, do IL, interpelou a tutela sobre a composição dos júris e os planos de acompanhamento a estas atribuições. Rui Tavares, do Livre questionou se o antigo sistema em que havia menos dinheiro, mas apoios para mais estruturas não seria mais estável. Adão e Silva garantiu que a discussão poderia ser interessante, mas que não receberiam os "400 mil euros anuais a que se candidataram" .
Inês Sousa Real, do PAN perguntou diretamente ao ministro o que iria fazer a quem não teve apoio e acusou também o Governo de não garantir a coesão territorial, lembrando o caso da Filandorra- teatro do Nordeste e o serviço que presta em Trás-os-Montes. Adão e Silva respondeu que há desigualdades na oferta cultural, que o Governo tenta colmatar, nomeadamente através da RTCP, mas que não é da responsabilidade exclusiva do ministério da Cultura a oferta territorial.
Manifestantes na rua
Centenas de pessoas continuaram concentradas frente à Assembleia da República, em Lisboa, num protesto de "gente unida pelas Artes e Cultura", que no imediato reivindica um reforço da dotação dos apoios sustentados às artes para 2023/2026.
Os manifestantes, a maioria vestida de preto como era pedido pela organização do "Protesto pelas Artes", empunhavam folhas de papel com, "justiça para a Cultura" ou "demissão Adão".
"Além das reivindicações constantes, de sempre que vimos para a rua - reforço do Orçamento do Estado para a Cultura, de uma política pública de Cultura que seja plural e eficaz -, neste caso em particular estamos a reivindicar um reforço do Programa de Apoio Sustentado 2023/2026 na modalidade bienal", afirmou Ruy Malheiro, da Acção Cooperativista à LUSA.
"Naturalmente estamos solidários com este protesto. Muitas vezes nestas estruturas o posto de trabalho confunde-se com a própria estrutura, porque há muita criação do próprio emprego e muita necessidade de inventar trabalho na Cultura por causa da realidade que vivemos. Estamos a falar de mais de uma centena de estruturas [que apesar de terem sido consideradas elegíveis para apoio, não o irão receber por se terem esgotado as verbas disponíveis], centenas de postos de trabalho", alertou o dirigente do Cena-STE Rui Galveias.
O "Protesto pelas Artes" reuniu profissionais de várias áreas, de atores a realizadores, passando por bailarinos, coreógrafos, artistas plásticos ou curadores de arte.
Entre caras mais ou menos conhecidas do público passaram pelo protesto atrizes, como Carla Galvão e Marina Albuquerque, atores, como Raimundo Cosme e Nuno Lopes, a 'performer' e criadora Raquel André, o guionista e ilustrador Pedro Vieira, o realizador Marco Martins e as bailarinas e coreógrafas Vera Mantero e Sofia Neuparth.
Para Vera Mantero, "o facto de o ministro ter reforçado os apoios aos quadrienais, mas não aos bienais revela um desconhecimento do funcionamento do tecido artístico" e "cria um desequilíbrio enorme" no mesmo.
"São estruturas mais jovens que se candidatam tendencialmente mais aos bienais e isso cria um enorme desequilíbrio, porque não estamos a investir no futuro, mas também a não apoiar estruturas muito estáveis, que optam por se candidatar aos bienais", disse, dando como exemplo o seu caso.