Uma história de três gerações unidas pelo acidente nuclear de 1986. Relato ficcionado com uma forte componente documental
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Se a Rússia e a Ucrânia, na ordem do dia pelas piores razões, não têm tradição na banda desenhada, houve um tema comum que inspirou alguns autores do género: a explosão do Reator IV do Complexo Nuclear de Chernobyl, a 26 de Abril de 1986. Entre nós, apenas teve tradução "Chernobyl: A zona", que ainda está disponível nas livrarias.
Trata-se de uma história narrada em tom humano a partir das vidas de três casais de três gerações, então soviéticos, hoje (ainda) ucranianos, personagens ficcionais mas extremamente credíveis que espelham o que tantos milhares sofreram na pele, figurada e literalmente.
O traço de Natacha Bustos não é especialmente elaborado e particularmente nas cenas de conjunto até pode parecer inacabado ou simplista, mas a verdade é que isso não tira força ao argumento de Francisco Sánchez, apesar da narrativa viver do desenho, uma vez que os textos de apoio e os diálogos são parcos.
Essa opção mais contemplativa acaba por tornar mais intensa a experiência de leitura, pois coloca muitas vezes o leitor ao nível dos protagonistas, vendo - e sentindo - aquilo que eles vivenciam.
Construído de forma elíptica, "Chernobyl: A Zona" começa com o regresso da geração mais velha, a dos avós, ao local onde um dia tinham sido felizes, apesar de continuar afetado pela radiação.
De seguida, no capítulo central, coincidem as perguntas sem resposta e o encobrimento governamental, que primeiro subestimou o acidente e as suas consequências e depois abafou os seus efeitos devastadores retirando com subterfúgios e mentiras os habitantes - os filhos, a geração de trabalhadores - das zonas afetadas ou enviando-os para (a morte para) atenuarem as suas consequências.
Finalmente, assistimos ao regresso dos representantes da terceira geração, os netos, ao local por onde passaram brevemente, evocando as suas memórias e lembrando os que lá viveram - e morreram.
Se este é um relato assumidamente ficcional, é impossível ignorar a pesquisa que lhe serve de base, que incluiu uma visita de Bustos e Sánchez ao reator nuclear, o que lhe confere uma perspetiva documental que a banda desenhada mais uma vez mostra poder assumir.
Chernobyl: A Zona
Francisco Sánchez e Natacha Bustos
Levoir
168 p., 11,90 €