Recomeçar aos 30 anos: rock e romantismo realinham festival de música pela matriz. Quatro dias, 12 concertos por dia, horários alargados: arranca esta quarta-feira e só pára no sábado.
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Para aquelas pessoas que gostam de tratar melomaniacamente os seus desejos, e de legitimamente espremer até ao osso cada cêntimo do que pagaram pelo bilhete para ouvir música, o Vodafone Paredes de Coura 2024 tem o melhor pitch do ano, é tão bom que parece uma burla: 120 euros, 48 concertos, 2,50 euros por concerto. E é possível vê-los todos, sem asteriscos, sem sobreposições.
A condição é um internamento: disponibilidade de 12 horas por dia, ser melomaníaco ou pior, e gostar de Idles, Fountaines DC, Killer Mike, Cat Power, Slowdive, Sampha, L’Imperatrice, Model/Atriz, Girl in Red, Glass Beams, Wednesday, Protomartyr, Los Bitchos, Branko, Beach Fossils, Mdou Moctar, Moullinex, Hotline TNT, Tramhause, Sextile, Andre 3000, ainda gostar de Jesus and Mary Chain e ansiar por ver pela primeira vez, entre mais outros 26 artistas, o tufão californiano de gelo rock and roll riot grrrl Destroy Boys e perceber que é o antepenúltimo concerto do último dia e que só começa às 2.45 horas de sábado.
Horários esticados pela noite
A lupa do cartaz amplia a novidade nos horários: os concertos começam, como sempre, às 17.30 horas, mas este ano, nos dois palcos, há bandas a atuar ao vivo até muito mais tarde, às 2.50 horas (Sprints, quinta), às 3 horas (Model/Actriz, quarta, Mdou Moctar, sexta), às 4h15 (Sextile, quarta), às 4h30 (Tramhaus, sexta).
É o preço da melofilia, para se poder ver tudo até ao fim sem atropelos ou justaposições, não basta ter coração dedicado, é preciso pernas e determinação.
Os horários mais tardios não são só no palco Yorn, que promete os atos mais desafiantes e as melhores escarpas de rock, como Protomaryr, Wednesday, Hotline TNT (é uma banda em superdimensionamento: tem novos hinos imponentes de powerpop vestidos de shoegaze), Glass Beams ou Superchunk. Também no palco maior, o da encosta relvada Vodafone, o último artista da noite começa à beira das 2 horas:
Killer Mike à 1.50 desta quarta-feira, Slow J na quinta à mesma hora, Idles na sexta à 1.55, Fontaines DC no sábado à 1.35 horas.
Recomeçar, sempre
“Aqui em Paredes de Coura os espectadores são o acontecimento mais importante, gostamos de os tratar bem, respeitar a melomania deles”, diz João Carvalho, orgulhoso diretor do festival que fundou em 1993. Ainda a olhar para o debacle do ano passado, em que houve tiros estilísticos ao lado, como meter Lorde a fechar o festival, e se viu a afluência de público em clara desaceleração, Coura, como Julie D’Aiglemont aos 30 anos (é preciso imaginar a balzaquiana Julie D’Aiglemont feliz, como é preciso imaginar que o desejo inviolável de Sísifo é real) quer recomeçar.
Com a sua matriz outra vez alinhada pela ideias fundacionais da espinha do rock e do romantismo plumista, mas sem negar trespasses pela nova pop, hip hop, disco, punk, funk, fusão, electrónica e toda a ebriedade de géneros e tempos que cabem em Andre 3000, o rapper estelar dos Outkast que vem este ano como petisco gourmet tocar um disco de ambiente new age em horário nobre, “New blue sun”, Coura quer ir a todos. Inclusivo, intergeracional, coevo, o festival ambiciona continuar a ser capaz de cativar no mesmo lugar adolescentes e sexalescentes, todos, tanto os suaves de coração como aqueles com problemas de transtornos explosivos intermitentes, Coura quer arrebatar toda a gente.
E o headliner é…
“Sentimo-nos sempre a recomeçar, e este ano outra vez”, diz João Carvalho a apontar a planura do cartaz em que este ano parece não haver cabeças de cartaz, onde todos têm (quase) a mesma importância.
“Sim, é uma espécie de regresso à pureza inicial, este ano não há headliners óbvios, é a nossa opção, cada espectador tem o seu cabeça de cartaz, Fountaines DC, Girl in Red, Cat Power, Killer Mike, Slowdive, é só escolher, este ano todos os espectadores podem ver os concertos todos nos dois palcos, são todos importantes para eles e para nós”, é uma preocupação primordial.
Abundantemente frequentado por juventude, com 50% das pessoas a acampar em 46 campos à beira de um rio, um palco numa encosta fofa de relva e outro num socalco firme e plano, o Couraíso tem uma fórmula de fidelidade.
Dar futuro ao melhor passado
“Noventa por centro dos bilhetes vendidos são passes para os quatro dias, quem cá vem, vem com tudo, é o nível de confiança que têm em nós”, diz o diretor a citar o “Couraíso”, a marca confiável do melhor resort de rock do país. “E oitenta por cento das pessoas fica aqui a dormir em Paredes de Coura, no campismo, que esgotou, ou no turismo de habitação, que esgota o concelho e extravasa o distrito”.
Mas, ainda assim, o festival move-se e renova-se: “Vinte e cinco por cento dos espectadores vem cá cada ano pela primeira vez”. Servir bem a linha entre passado e presente é o melhor futuro do festival, garante fluidamente pais e filhos e presenças coincidentes.
“Servimos os novos, os maduros, as famílias. Este ano a memória vai até ao rock dos Jesus and The Mary Chain e dos Slowdive, que andam aí desde os anos 80, ao novo rock deste presente fortíssimo dos Idles e dos Fountaines DC, estrelas em explosão, como os Hotline TNT, e a melhor pop poderosa e romântica, com a Girl In Red e a Cat Power”diz João Carvalho.“E temos também o futuro aqui mesmo à mão, Wednesday, Glass Beams, Model/Actriz, Los Bitchos, Destroy Boys, creio mesmo que temos o cartaz mais equilibrado de sempre entre novidades e passado. E que enche as medidas dos nossos melómanos todos”.
Vendas acima do ano passado
Com “vendas melhores do que em 2023, com cartaz melhor do que em 2023, vamos ter casa cheia”. Ainda há bilhetes para todos os dias, “com procura mais acentuada para quarta e para sábado”, diz João Carvalho. O bilhete diário custa 60 euros, o passe geral 120 euros.
O programa do dia tem 12 concertos, o recinto abre às 17 horas, a música começa às 17.30 horas. O primeiro ato de hoje é First Breath After Coma + Noiserv + Banda de Música de Mateus, o último, 12 horas depois, é o synth-punk dos Sextile, dos EUA. E amanhã recomeça tudo outra vez.
Sem medo, e em delírio, preparados como os melhores montanhistas para ir até à parte mais alta e subtil da desordem emocional que a música ao vivo é capaz de espoletar, Coura é, este ano, para chupar até tutano.