Miguel Gomes e Daniel Soares podem sair hoje de Cannes com uma Palma na mão.
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Tal como o número de fotogramas por segundo, quando os filmes eram rodados exclusivamente em película, são 24 os degraus que levam ao cimo de uma das passadeiras vermelhas mais famosas do mundo, a de Cannes, durante o festival que hote termina.
É ao fim da tarde que se saberá qual a Palma de Ouro da edição 77 de Cannes, sucedendo assim a “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet, bem assim como os restantes prémios da secção oficial. Entre os candidatos encontra-se “Grand Tour”, de Miguel Gomes, que fez o cinema português voltar à competição de Cannes, 18 anos depois de “Juventude em Marcha”, de Pedro Costa.
A esta possibilidade de prémio maior para o cinema português junta-se ainda Daniel Soares, autor do excelente “Mau Por um Momento”, que poderá ganhar a Palma de Ouro dos pequeninos, ou seja, da curta-metragem. Voltando a “Grand Tour”, e apesar de todas as qualidades do filme de Gomes, e são muitas, a sua avaliação não foi consensual entre a imprensa internacional aqui em Cannes, podendo o mesmo acontecer entre os nove membros do júri, presidido por Greta Gerwig.
No entanto, apesar de lhe faltar aquela aura que se sente nos filmes que vencem a Palma de Ouro, não seria descabido que o filme português encontrasse lugar no palmarés final, visto que, sem qualquer nacionalismo, “Grand Tour” se encontra do “lado bom” de uma competição muito desigual.
Há então uma previsão possível relativamente à Palma de Ouro de 2024? Na ausência de uma obra consensual, como as que levaram ao pódio, nas últimas décadas, títulos como “Dancer in the Dark”, “A Vida de Adèle” ou “A Árvore da Vida”, os cenários são variados. Uma possibilidade é Mohammad Rasoulof beneficiar da onda de solidariedade à sua volta, ainda por cima tendo trazido a Cannes uma obra complexa e intrigante. Depois do Urso de Ouro, conquistar a Palma com “The Seed of the Sacred Fig” conferiria ao cineasta um estatuto especial a daria um sinal claro às autoridsades iranianas que é preciso deixar de cortar a liberdade aos seus criadores.
A opção feminista, que poderia ser sublinhada pela personalidade da presidente do júri, está este ano um pouco desfalcadas, pelo facto serem apenas quatro as mulheres em competição. Destas, a que nos parece ter mais possibilidades é a jovem inidiana Payal Kapadia, com o seu “All We Imagine as Light”, um belo retrato de três mulheres numa Mumbai que a realizadora filma com intensidade e possível poesia.
No painel de críticos da FIPRESCI, a federação internacional da crítica cinematográfica, publicada na edição online da FNE – Films New Europe, e de que o JN faz parte, é verdade que o filme de Gomes é o mais cotado, mas apenas foi classificado por cinco dos seus mais de duas dezenas de membros. Segundo este grupo, com uma perspetiva mais autoral, “Caught By the Tides”, do chinês Jia Zhang-ke, seria outra possível Palma de Ouro. Mas, do que se tem ouvido por aqui, parece haver uma onda em torno de “Emilia Perez”, o melodrama musical mexicano de Jacques Audiard. Certezas, só mais logo, quando encerrar mais uma edição de Cannes.
Entretanto, todas as outras secções já anunciaram os seus prémios, não tendo “caído” nada para os portugueses da Quinzena de Cineastas e da Semana da Crítica.
Começando por esta última, que comemorou a sua 63ª edição, a competição destinada a primeiras e segundas obras foi vencida por “Simon de la Montaña”, coprodução latino-americana realizada pelo argentino Luis Federico.
Organizada pela SRF – Sociedade de Realizadores e Realizadoras de Filmes, que durante o festival emitiu um comunicado apelando ao cessar-fogo imediato em Gaza, decorreu em Cannes a 56ª edição da Quinzena de Cineastes. Foram três os prémios atribuídos: Prémio SACD para “Ma Vie Ma Gueule”, de Sophie Fillières, cineasta francesa falecida durante a montagem do seu filme, Prémio Label Europa Cinemas para “Septembre Sans Attendre”, do espanhol Jonas Trueba, e Prémio do Público para o canadiano “Une Langue Iniverselle”, de Matthew Rankin.
Finalmente, a seção oficial paralela Un Certain Regard, para onde são enviados filmes que não cabem nas duas dezenas de candidatos à Palma de Ouro, entre os mais de dois mil vistos este ano, o prémio mais importante do júri presidido pelo realizador canadiano Xavier Dolan foi para o chinês “Black Dog”, de Hu Guan, interpretado curiosamente por Jia Zhangke, numa das suas frequentes aparições como ator.