Miguel Gomes candidata-se à Palma de Ouro com “Grand Tour”.
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É hoje, pelas 15 horas (uma hora a menos em Portugal continental) que Miguel Gomes e a sua equipa, incluindo os atores Gonçalo Waddington e Crista Alfaiate, irão subir a mítica passadeira vermelha de Cannes, esperados ao cimo por Thierry Frémaux, responsável artístico do festival.
Pouco mais de duas horas mais tarde, estarão lançados os dados para a competição do filme português à Palma de Ouro, dezoito anos depois da última vez em que tal fora possível, com Pedro Costa e a sua “Juventude em Marcha”. A palavra caberá então ao júri presidido pela atriz, argumentista, produtora e realizadora norte-americana, Greta Gerwig. Mas, dada a falta de unanimidade até ao momento em torno de um título, pelo menos pelo que se tem observado das opiniões da crítica internacional, as possibilidades de Miguel Gomes são altas. Amanhã já poderemos dar uma ideia de como o filme foi recebido aqui em Cannes.
O filme, que tem início em 1917, conta a história de Edward, um funcionário público do Império Britânico em Rangoon, na Birmânia, que foge no dia em que vai casar com a sua noiva Molly, no dia em que ela chega. Determinada, Molly parte em busca de Edward e segue os seus passos da sua “Grand Tour” pela Ásia.
Entretanto, o dia de ontem foi carregado em termos de novos filmes em competição, com nada menos de três títulos a juntarem-se à lista que incluirá, no final, vinte e dois títulos a correr pela tão desejada Palma de Ouro. No entanto, nenhum dos filmes vistos no dia de ontem parecem ter possibilidades de a levar para casa.
“Marcello Mio” é uma homenagem do francês Christophe Honoré a Marcello Mastroianni. O filme segue o cinema delicado, de bom gosto e com uma particular atenção ao feminino do realizador, contando com Chiara Mastroianni travestida no seu pai, e com Catherine Deneuve, a sua mãe, que viveu durante algum tempo com o mítico ator italiano.
O filme tem momentos realmente encantadores, sobretudo quando vemos na mesma sequência filha e antiga companheira de Mastroianni, será certamente motivo de culto para quem não esquece o ator de “Oito e Meio” e tantas dezenas de obras grandes do cinema mundial, mas faltar-lhe-á dimensão para ser a 77ª Palma de Ouro de Cannes.
Cineasta independente norte-americano, fruto de uma escola de artes de Nova Iorque e autor de obras como “Prince of Broadway” ou “The Florida Project”, Sean Baker chega a Cannes com “Anora”, nome próprio de Ani, a protagonista do filme, uma trabalhadora de sexo de um bar de Nova Iorque. Um dia, tem como cliente um jovem russo, filho irresponsável de um oligarca, que a convida para a mansão de luxo da família, acabando por lhe oferecer uma semana de trabalho em exclusivo.
Na euforia do momento, os dois chegam mesmo a casar, numa louca ida a Las Vegas, o que não vai agradar à família do jovem que, depois de enviar os seus guarda-costas arménios, chega à cidade de jato privado, para resolver a situação… Sean Baker assina uma obra intensa, retrato de uma mulher vítima da sua própria ambição, e conta com um trabalho fantástico da jovem Mikey Madison, que consegue criar empatia com o público, mas não escapa a um registo mais comercial que artístico, longe dos cânones de Cannes.
Finalmente, Paolo Sorrentino chega de novo a Cannes, agora com “Parthenope”. O título é também aqui o nome da personagem central, que acompahamos desde o seu nascimento em 1950, no seio de uma família rica de Nápoles, até à atualidade, sobretudo desde o início da idade adulta, onde a jovem carrega o peso da sua beleza e sensualidade, prefere o caminho académico da sociologia e vê-se para sempre traumatizada por uma tragédia familiar, cuja culpa carrega nos ombros.
Sorrentino respira cinema por todos os poros, como sabemos por obras anteriores como “As Consequências do Amor” ou “A Grande Beleza”, mantém intacto o seu imenso sentido de cinema, num registo felliniano mas já muito seu, assina uma declaração de amor a Nápoles, mas o filme é um pouco desequilibrado, cruzando algumas sequências absolutamente fabulosas com momentos menos conseguidos.
Uma curiosidade: “Parthenope” é uma das três obras a concurso produzidas pelas Saint Laurent productions, assinalando uma entrada em força dos herdeiros do império da moda na produção cinematográfica.