Clara Pinto Correia (1960-2025): a morte abrupta de uma intelectual todo-o-terreno

Clara Pinto Correia entrou de rompante no meio cultural em 1985
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Escritora, bióloga e professora universitária faleceu esta terça-feira. Tinha 65 anos.
No "star-system" português dos anos 1980 e 1990, poucos nomes na esfera cultural suplantavam a notoriedade de Clara Pinto Correia, a escritora, bióloga e professora universitária que esta terça foi encontrada sem vida na sua casa, em Estremoz.
Em 1985, aos 25 anos, a publicação de "Adeus, princesa", romance ambientado no Alentejo no final da tentativa de Reforma Agrária, catapultou-a para a primeira linha de visibilidade pública, para espanto de um meio conservador, pouco habituado ao protagonismo de uma figura que não só evitava a rejeição da feminilidade, como a conciliava com uma frontalidade ainda mais rara.
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Muitos anos mais tarde, numa entrevista à "Máxima", a autora de "Deus ao microscópio" recordou os preconceitos com que se confrontou no meio cultural, afirmando que "há a ideia que as mulheres bonitas são estúpidas e que as de respeito não se preocupam com perfumes"."
Best-seller" anos a fio e posteriormente adaptado ao cinema, "Adeus, princesa" foi o apogeu da autora, mas vários outros títulos cimentaram a sua popularidade junto de uma camada larga de leitores, como "Ponto pé de flor" ou "A deriva dos continentes".
No auge da fama, em 1986, escreveu "E se tivesse a bondade de me dizer porquê?", obra escrita a meias com Mário de Carvalho.
Licenciada em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 1984, viria a doutorar-se, oito anos mais tarde, em Biologia Celular, pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto.
Sem abandonar a área científica, como investigadora e professora universitária, dedicou-se com afinco à escrita. Autêntica intelectual todo-o-terreno, estabelecendo pontes entre a literatura, ciência e comunicação, publicou meia centena de títulos que atravessaram géneros: ficção, ensaio, crónicas, literatura para a infância ou a poesia.
Ocaso mediático
Em 2003, seria acusada de plágio na sequência de um artigo publicado na revista "Visão", iniciando um ocaso mediático que se prolongaria até ao presente.
A perda do emprego acentuou as dificuldades financeiras que resultariam na saída da casa onde vivia há longos anos, no concelho de Sintra.
Apesar de estar afastada há muito do palco mediático, ainda se dedicava à escrita. "Antares", o seu último livro, foi publicado pela editora portuense Exclamação no passado mês de junho.
"Não deixou nunca ninguém indiferente. Daí o sentido de ausência por todos partilhado neste momento", partilhou Marcelo Rebelo de Sousa numa nota publicada no site da Presidência.
