Segundo disco da artista minhota Cláudia Pascoal, simplesmente intitulado "!!", vai ser apresentado nesta quarta-feira no Teatro Maria Matos em Lisboa e a 2 de junho no Hard Club do Porto.
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Sobre Cláudia Pascoal e o seu segundo disco, escreve o músico David Fonseca, aqui produtor, ser este trabalho um dos seus grandes orgulhos, e o "observar de um talento gigante". Aos 29 anos e com a carreira a ganhar mais atenção - e novos públicos - devido a uma participação marcante no último Festival da Canção, Pascoal diz ter colocado em "!!" mais de si do que nunca, com todas as suas particularidades, convicções, e os diferentes sons, artes e vivências que abraça em simultâneo. Como explica ao JN, "!!" carrega a sua "mais íntima alma minhota", num contexto mais moderno.
Além de David Fonseca, no novo disco a artista rodeou-se de pessoas com quem tinha o sonho de trabalhar, de Manuela Azevedo a Marante e Natalia Lacunza ou até Rosa Teixeira, a sua mãe. Filipe Melo fez alguns arranjos de cordas e Joana Marques dá o mote à intro e fecho do disco. Já editado e com vários singles como "Nasci Maria", "Fado Chiclete" e "Precaução", o álbum é apresentado esta quarta-feira num já esgotado Teatro Maria Matos, em Lisboa; e no dia 2 de junho no Hard Club do Porto.
Este "!!" é o 2º disco que idealizou, o que melhor representa - ou nesta fase - a Cláudia Pascoal?
O nome deste álbum não é por acaso, os pontos de exclamação, como continuação do primeiro, da minha descoberta enquanto artista, compositora, produtora. Acho que há aqui um switch na tentativa de ter um envolvimento maior nas coisas que faço e honestamente agora é o que está a fazer sentido e é o que me representa melhor; mas sei que o meu terceiro álbum vai ter ainda mais de mim, vai ter mais presença, por exemplo, na produção, que é algo que eu idealizo. Portanto, sim, agora sou eu, mas ainda vêm mais coisas por aí.
Fale-me do processo criativo; onde se inspira, como escreve?
Cada música é uma música, eu não tenho uma fórmula. Às vezes são melodias que me vêm à cabeça e eu gravo no telemóvel e depois pego nelas mais tarde, outras são objetivos muito concretos do que quero fazer. Por exemplo, a minha música com a minha mãe foi algo que eu queria muito que remetesse às baladas que ela me cantava à noite para dormir, e quase que peguei e reformulei para cantar com ela; com o Marante foi criada para um momento entre mim e ele, uma música que não pertence nem a mim nem a ele mas encontrámo-nos no meio, num ambiente meio James Bond portanto foi uma construção de ver que tipo de acordes ou instrumentos usar nesse registo. Por isso às vezes vem com inspiração; e outras vem meio à força e com muito, muito trabalho.
Como e quando primeiro surgiu este amor e ligação à música?
A música teve sempre um lado muito um intrínseco na minha família. Eu venho do Minho, a desgarrada é uma constante em jantaradas em Arco de Baúlhe. Portanto veio tudo de uma forma que eu achava que era normal em todas as casas portuguesas. Vim a descobrir que não, nem toda a gente tem cavaquinhos à beira da sala de jantar. Mas como era esta a minha realidade, eu acho que vem daí, dessa forma de unificar um grupo de pessoas para cantarmos todos a mesma canção. E a música para mim tem esse significado, aproximar-me de uma forma muito direta às pessoas.
Diz que não gosta normalmente de escrever sobre amor; porquê? E sobre o que prefere escrever?
Eu acho que há muitas, muitas, canções de amor. Já existe, já ocuparam imenso espaço, eu quero ocupar outro espaço, outros temas que para mim são mais importantes. Há poucas músicas sobre a tia-avó, não há uma única música, nem eu escrevi sobre isso ainda. Portanto eu acho que há temas que ainda não existem e eu gosto do ocupar esse lugar, do que ainda não foi criado. E se calhar até estou a dizer uma estupidez, mas eu gosto de pertencer a um sítio onde ainda ninguém existiu. Esta é a minha tentativa disso, com este álbum.
Como surgiu a ideia de convidar David Fonseca para produzir, e como foi trabalhar ao lado dele?
O timing do convite para o David pertencer este álbum eu acho que foi incrível: foi mesmo no pico da pandemia, não se estava a passar nada, e eu acho que ele deve ter pensado, "bem, não tenho nada a perder, embora lá" e arrependido quando o trabalho começou a voltar. No entanto, de longe foi um sonho da minha vida, porque eu sou muito fã do trabalho do David em tudo, em geral na música, da forma como ele se apresenta em palco, cenografia, videoclipes, e sempre o tive em muita consideração porque é nisso que eu me reconheço enquanto artista e idealizo. Eu gosto de estar envolvida em todas as vertentes artísticas no meu trabalho e sempre o admirei por isso, e trabalhar ao lado dele na parte em que eu nunca tinha visto, que é na composição, na produção, de chegar às ideias, foi mesmo muito importante e retirei muito a nível da aprendizagem. Aliás, acho que isto dos meus primeiros passos na produção tem tudo a ver com o facto de estar a trabalhar ao lado dele e passar muitos dias a escolher o som perfeito. Acho que na base somos dois nerds, que combinam muito bem.
Há também diversas colaborações, fale-me delas e de como surgiram?
As colaborações deste álbum surgiram em espaços muito diferentes. Temos a Joana Marques, que claramente ocupa aqui um espaço humorístico, que para mim é sempre importante. Ainda por cima, dado que este álbum é a continuidade do primeiro, eu senti que tinha que começar quase da mesma forma e com o mesmo tom. Para mim a música ocupa um espaço muito de remeter emoções imediatas e puxar honestamente o pessoal para cima. É esse o lado terapêutico que eu gosto na música. E nada melhor do que começar um álbum a rir. Depois temos o Marante, eu cresci com a voz do Marante, sempre foi muito importante. E ele foi a pessoa mais inacreditável de sempre, deu-me o número pessoal dele, falámos imenso ao telefone e foi um privilégio gigante escrever uma canção específica para ele, acho que foi um desafio a que nunca me tinha proposto. Foi impecável, veio a Lisboa gravar comigo, passamos horas a tentar chegar à melhor conclusão desta canção e estou muito contente com o resultado. Já a nossa querida Manuela [Azevedo]: na verdade eu escrevi a canção e só depois convidei a Manuela. Eu estava a ouvir de uma forma quase irritante Rita Lee durante uma semana e escrevi a música "Precaução", que eu acho que na verdade tem muitas ligações com a Rita Lee. E para mim a Manuela e a Rita Lee vivem um bocadinho no mesmo espaço, são mulheres incrivelmente poderosas com muitas coisas a dizer, portanto para mim fazia todo o sentido partilhar esta canção com ela porque acho que é uma música honestamente quase feita para ela. E ela foi inacreditável, já tínhamos trabalhado juntas no Festival da Canção, portanto também foi muito fácil chegar a ela, foi um telefonema no qual ela me disse logo que sim. Eu sou uma sortuda, na verdade, porque as pessoas dizem-me que sim à primeira, não sei o que é que se está a passar. A Natália Lacunza foi um interesse de perceber como é que a arte musical se propõe noutros países. Eu identifico-me com a Natália, acho que é um bocadinho o que eu seria se vivesse em Espanha, ou seria um objetivo meu. Ela também explora muito o audiovisual e os videoclipes são muito interessantes portanto eu reconheço-me muito no trabalho dela e quando ela me disse que sim, foi um privilégio gigante. Finalizamos com a minha mãe. A minha mãe é a pessoa mais envergonhada do mundo, mas na verdade é a pessoa mais afinada que eu conheço e que canta melhor. Portanto eu quase a obriguei a juntar-se neste álbum comigo. Eu acho que a vida é muito, muito, curtinha para não fazermos coisas em conjunto. E ela superou essa vergonha toda, gravámos em conjunto no estúdio do Rui Veloso e foi de facto uma experiência que eu levo para a vida.
O seu som tem pop, musica tradicional, fado... como o definiria, ou prefere não fazer?
O som tem acordes e música, não é? Eu sei que temos uma necessidade constante humana de pôr as coisas em caixas e é assim que nós funcionamos em sociedade. Mas o que estou aqui a tentar fazer é que de facto não se encaixa em absolutamente nada. É propor um bocadinho da minha mais íntima alma minhota num contexto mais moderno. É assim que se calhar que eu me defino. É essa necessidade de criar coisas que ainda não foram feitas. É a minha necessidade número um. Mas obviamente elas vêm sempre acompanhadas com o meu lado mais tradição, que está intrínseco em mim, dentro de mim. As melodias de lavar a roupa enquanto estamos no tanque, elas existem. O tamborzinho, ele existe. O acordeão. Porque foi assim que eu cresci e é nele que eu vivo.
Com a última participação no Festival da Canção com o "Nasci Maria", ganhou um novo grupo de fãs, novas pessoas que a conhecem e seguem, em casos mais novas. Esperava esta reação?
Foi, por um grupo geracional que eu não estava à espera que é o das crianças. Eu no outro dia estava na Feira de Leiria a passear, uma criança muito pequenina apontou para mim com o seu mini dedinho e começa a fazer a coreografia do "Nasci Maria" na íntegra, portanto é uma surpresa gigante o impacto na geração mais nova. O que eu adoro, porque o meu objetivo é chegar a todas as gerações e ao máximo de publico possível, por isso eu gostei muito da reação em geral dessa canção. Temos pessoas, mais mulheres até, com muitas reações e mensagens de apoio para comigo, o que foi especial porque sinto que de facto foi uma mensagem que foi se calhar necessária na altura certa e eu sinto-me muito bem acompanhada quando as pessoas se interessam e se identificam com a minha mensagem. E depois tem um lado fofo, porque de facto quando as crianças cantam a minha canção e mandam vídeos eu até choro um pouco.
Há também, associado ao tema, um lado mais feminista, é algo que acha importante, que quis passar?
Todo este álbum é incrivelmente pessoal. E isso tem um lado óbvio, de por exemplo fazer canções com a minha mãe, que não há mais pessoal do que isso, mas conta as historias do meu dia a dia. O "Nasci Maria" ocupa um lugar na minha, vamos dizer, luta em estar nesta área ainda muita gerida por homens, muito ocupada principalmente em tour por homens e de facto há certas coisas com que as mulheres têm de lidar em que começa a ficar cansativo. E este foi o meu desabafo sobre isso, sobre certas coisas que ok, é a nossa realidade, mas se calhar há espaço para mudar, há espaço para evoluir, há espaço para escutar que existe esse problema e tem de ser alterado. Por isso este foi o meu desabafo, um puro desabafo, na verdade.
Além de música gosta de escrever, pintar, ... há alguma arte que a complete mais ou elas complementam-se?
Eu sempre gostei de todas as vertentes artísticas que não passam mais do que comunicar alguma coisa. Na verdade eu tenho uma aproximação muito grande com o audiovisual, foi a área que eu estudei, tirei cinema, e é algo que eu gosto, que me aproximo diariamente não só nas redes sociais, que é quase uma necessidade aliada ao nosso trabalho musical, mas também nos meus próprios videoclipes. Encontrei a Cláudia Batalhão na minha vida e gosto imenso de trabalhar e criar conceitos com ela. Estes últimos videoclipes são para mim o exemplo disso, estou muito contente com o resultado. Mas também tenho uma aproximação agora muito recente com a tatuagem, eu acho que há muitas áreas artísticas que eu ainda não me envolvi, mas que vou envolver, e penso que todas elas estão muito aliadas umas às outras e só assim é que faz sentido: termos uma aproximação com todas as vertentes artísticas para construirmos um produto final.
No seu percurso, parece haver uma constante recriação; é assim a Cláudia, uma pessoa de várias peles ou camadas ou gosta de experimentar?
A vida é muito curta para não fazer imensas coisas. Eu tento chegar a elas o mais rapidamente possível e com a maior intensidade possível. E gosto, acima de tudo, de aprender coisas novas também. Portanto, é esta a minha posição relativamente à arte. Se há várias formas de comunicar quem eu sou, eu vou chegar a elas e vou tentar aproximar-me delas o mais rapidamente possível. Portanto, sim, vou continuar a procurar novas soluções porque é assim que eu acho que me identifico. Uma pessoa que gosta de chegar a vários lados, mas muito rápido.
Como vão ser estes espetáculos de apresentação ao vivo, o que podemos esperar? Vai ter convidados especiais - e fale-me do "universo weird kitsch" que refere.
Estou muito entusiasmada pelos concertos de apresentação. Na verdade, é o meu primeiro concerto de apresentação. Eu lancei o primeiro álbum na primeira semana da pandemia, portanto, não tive a oportunidade de concretizar a minha visão sobre as coisas. E, na verdade, a primeira tour foi sempre uma construção aos pouquinhos do que eu gostaria de fazer. Agora, finalmente, tenho a oportunidade de fazer exatamente aquilo que eu quero, com as pessoas que me ajudaram a crescer ao meu lado. Portanto estou mesmo muito contente. O que é que nós vamos ter? Vamos ter a continuidade em bom do primeiro álbum. Vamos ter uma casa montada, um arraial montado, pessoas prontas para fazer a festa e tambores de arranjos. Vou ter todos os participantes do meu álbum, tirando a Natália Lacunzi, infelizmente, presentes. Portanto, vai ser um momento muito, muito pessoal e especial. E o que eu gostaria de fazer para o resto da tour é exatamente levar esta minha casa e propor ao público a juntar-se e a criar as canções comigo. É um bocadinho este o intuito. Este weird kitsch acho que vem daí. Vem deste lado de trazer a casa da avó e toda a gente reconhecer-se um bocadinho com esta imagem, com este som. E voltar um bocadinho a esses anos de, pelo menos para mim, foram de campo e de estar entre a família. Criar um momento familiar e um momento próximo. Esta é a minha expectativa.
Como vê o futuro, quais os próximos planos?
Para o futuro, continuar a trabalhar, continuar a evoluir. Ter, se calhar, um papel mais presente na produção das canções. Acho que este é o meu grande objetivo para o meu terceiro álbum. Mas, finalmente, sinto-me num bom sítio. Sinto-me confiante no que estou a fazer. Sinto-me pronta para estar a fazer isto a sério. Porque eu acho que foi um sentimento que eu estive à espera durante muito tempo. E divertir-me, acima de tudo, com isto. Tenho a grande felicidade de fazer o que gosto. E não vou deitar essa oportunidade fora. Vou continuar a perseguir aquilo que mais amo, que é comunicar com a arte.