Berlinale começou com uma homenagem divertida e tocante a Fassbinder
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E o cinema voltou à Berlinale. Foi com esse sentimento que decorreu a cerimónia de abertura da 72.ª edição do Festival de Berlim, dois anos decorridos do momento em que se disse "até breve" a todos os amigos e conhecidos, sem saber que uma pandemia ia mudar a face do cinema e a maneira de o ver.
Felizmente, a normalidade está a caminho e, ainda debaixo de medidas sanitárias fortes e necessárias, foi na grande sala de cinema que se viu o filme de abertura, "Peter von Kant", do francês François Ozon.
Passando por cima dos problemas técnicos que levaram à interrupção da sessão e das dúvidas que ainda subsistem aqui e ali sobre que documento se tem de mostrar para entrar em determinados espaços do festival, o cinema venceu. E de que maneira.
É que "Peter von Kant", como o título indica uma homenagem a um clássico de Fassbinder, "As lágrimas amargas de Petra von Kant", é uma homenagem divertida, por vezes trágica, e sempre tocante ao grande mestre alemão, tão cedo desaparecido mas que, com a sua monstruosa capacidade de trabalho, nos deixou um imenso legado de obras ainda hoje tão amadas e que tanta gente influenciou.
Uma delas foi sem dúvida o realizador francês François Ozon, que já no filme anterior, "Correu tudo bem", estreado recentemente em Portugal, tinha como uma das atrizes secundárias a musa de Fassbinder, Hanna Schygula. Ora, não só Schygulla foi uma das atrizes do filme do alemão que perfaz agora meio século, ao lado da também inesquecível Margit Carstensen, como aparece aqui... no papel de mãe de Peter, alias Rainer Werner.
Passado no espaço fechado de um apartamento como o outro "von Kant" e com uma trama similar, o filme de Ozon acompanha a intensa relação amorosa de um realizador de sucesso com um jovem que lhe é apresentado por uma das suas atrizes, que se comporta como uma verdadeira estrela.
O filme, que se passa em Colónia em 1972, o ano do filme que se homenageia, está recheado de apontamentos verdadeiramente deliciosos, como a personagem do mordomo de Peter, mas vive em grande parte do gigantesco trabalho de Denis Ménochet. O melhor elogio que se lhe pode dar é de por vezes nos esquecermos que aquele homem que vemos na tela não é na realidade Rainer Werner Fassbinder.
"Peter von Kant", com distribuição já garantida em Portugal, é mais uma demonstração do bom gosto, do virtuosismo com a câmara, da capacidade de dirigir atores de François Ozon. Sobretudo de atrizes, sabendo aqui resgatar uma Isabelle Adjani que, vivendo há muito num mundo um pouco à parte e não tendo sabido aceitar o envelhecimento natural - a atriz de "A história de Adele H.", "O inquilino" e "Possessão" tem hoje 66 anos - se depara aqui com uma nova oportunidade, numa personagem que mostra que, apesar de tudo, não tem problemas em ironizar com a sua própria imagem.