Sessão de abertura com novo João Botelho, "Um filme em forma de assim".
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Fundado em 2004, o IndieLisboa foi um caso de sucesso imediato. Dezoito anos passados, o festival resiste e continua a mostrar algum do bom cinema que se faz no mundo e não chega ao apertado circuito comercial, ao mesmo tempo que é uma das plataformas mais importantes de divulgação do novo e novíssimo cinema que se faz entre nós. A edição deste ano, depois das duas atribuladas edições anteriores, começa esta quinta-feira e desenrola-se até 8 de maio.
A sessão oficial de abertura tem lugar esta noite, na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge, com "Um filme em forma de assim", uma fantasia musical e onírica que assinala o regresso de João Botelho ao universo de Alexandre O"Neill. Contando no elenco, entre outros, com Inês Castel-Branco, Cláudio da Silva, Rita Blanco e Soraia Chaves, o filme chegará às salas de estreia a 12 de maio. João Botelho será aliás uma das figuras maiores do festival, já que regressará para apresentar a primeira sessão pública de "O jovem Cunhal", um "filme detetivesco" sobre os primeiros anos do histórico líder do Partido Comunista Português, com Botelho a cruzar a fronteira do documentário, encenando excertos de alguns dos livros de Cunhal.
Sempre muito esperada e considerada a secção mais nobre do festival, a Competição Internacional sugere 11 títulos de longa-metragem, oriundos de países como França, Bolívia, Suécia, Coreia do Sul, Índia ou Brasil, com um grande destaque para "Mato seco em chamas", correalizado pelo brasileiro Adirley Queirós e pela portuguesa Joana Pimenta, que filmaram na Ceilândia, na periferia de Brasília, uma aventura distópica, entre o filme de ação, o documentário social e a alegoria política. O filme, que conheceu estreia mundial em Berlim, está também na Competição Nacional.
Um conjunto alargado de três dezenas de curtas-metragens integra ainda a Competição Internacional, onde estarão decerto alguns dos autores do futuro. Neste grupo há a salientar o português "Místida", do luso-guineense Falcão Nhaga, recentemente selecionado para a Cinef (ex-Cinéfondation), a secção do Festival de Cannes destinada a filmes de escola. Produzida pela Escola Superior de Teatro e Cinema, o filme segue um filho que vai ajudar a mãe a carregar os sacos de compras e o diálogo que encetam, onde lidam com as questões que os assolam.
A não menos aguardada Competição Nacional integra nove longas-metragens. E lá estão filmes que começaram já o seu percurso em grandes festivais, como "Águas do Pastaza" de Inês T. Alves, "Super natural" de Jorge Jácome ou "O trio em mi bemol" de Rita Azevedo Gomes que, tal como "Mato seco em chamas", estrearam em Berlim, ou "Périphérique nord" de Paulo Carneiro, que acaba de passar no festival Visions du Réel, em Nyon, na Suíça.
É aqui que poderão ser vistos ainda "Viagem ao sol" de Ansgar Schaefer e Susana de Sousa Dias, que usa imagens de arquivos familiares para destacar os testemunhos de crianças vindas da Áustria para Portugal no período pós-Segunda Guerra Mundial; "Atrás dessas paredes" de Manuel Mozos, narrativas de marginalizados, em fortes, prisões, hospitais e asilos; "Frágil" de Pedro Henrique, sobre as vivências noturnas de um grupo de rebeldes contra o sistema; ou "Rua dos Anjos" de Maria Roxo e Renata Ferraz, documentário em forma de diálogo entre duas mulheres de vidas profissionais diferentes, a sexual e a cinematográfica.
Quinzena e meia de curtas-metragens surgem ainda no programa da Competição Nacional, destacando-se de novo alguns títulos que já passaram por grandes festivais, como "Azul" de Ágata de Pinho, "By Flávio" de Pedro Cabeleira, "Domy + Ailucha: Cenas Kets" de Ico Costa, e "Tornar-se um homem na Idade Média" de Pedro Neves Marques. Uma dúzia de curtas nacionais compõe a secção Novíssimos, como o nome indica destinada a primeiras obras, muitas das quais produzidas em âmbito escolar, demonstrando a vitalidade deste segmento da produção.
A secção Silvestre foi criada para mostrar obras que rejeitem fórmulas consagradas e despertem novas linguagens, e cuja rebeldia espelhe o espírito do festival. É aí que foram colocadas 11 longas-metragens a concurso, mas é no programa extra competitivo que se encontram algumas das pérolas do festival, exibidas pela primeira vez em Portugal, como "Coma" de Bertrand Bonello, "Cow" de Andrea Arnold, "Incroyable mais vrai" de Quentin Dupieux, ou "Rimini" de Ulrich Seidl.
O Foco Silvestre deste ano vai para a Light Cone, distribuidora fundamental para a divulgação do cinema experimental e cujos quatro programas serão exibidos na Cinemateca Portuguesa, que se associa ainda ao IndieLisboa com a retrospetiva dedicada a Doris Wishman (1912-2002), figura fundamental do cinema sexploitation americano e uma das primeiras mulheres a filmar e a vingar naquele mundo vincadamente masculino no início dos anos 1960.
É ainda na Cinemateca que passa o programa intitulado Director"s Cut, composto por produções recentes que mergulham na memória do cinema como principal inspiração e matéria-prima e onde passam, entre outros, "Reconstrução" de Francisco Noronha, um retrato dos arredores de Lisboa vistos pelo cinema português, com imagens desde "Os verdes anos" de Paulo Rocha a "O fim do Mundo" de Basil da Cunha; "The history of civil war", uma obra considerada perdida do mestre documentarista soviético Dziga Vertv; ou "Terra femme", montagem de filmes domésticos feitos por mulheres, entre as décadas de 20 a 40 do século passado.
Mas há mais, nesta auspiciosa edição do IndieLisboa. Na secção Boca do Inferno, destinada a obras que rasguem fronteiras de registo e temas, sem tabus, passam, por exemplo, "Flux gourmet" de Peter Strickland e "Coffin homes" de Fruit Chan. Enquanto o Indie Music selecionou filmes cujos títulos falam por si: "Cesária Évora", "Patti Smith, electric poet", "Songs for Drella", "Nothing compares" ou "Sonosfera Telectu". Finalmente, o programa 5L apresenta o ciclo Imagens da Escrita, em colaboração com o Festival Internacional de Literatura e Língua Portuguesa e onde se terá a possibilidade de ver, pela primeira vez em Portugal, "Love letter", um dos seis títulos realizados por Kinuyo Tanaka, a musa de realizadores como Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu.
Muito cinema para ver até à sessão da noite de 8 de maio na Culturgest onde, depois do anúncio dos premiados, será exibido em antestreia nacional "A viagem de Pedro", de Laís Bodanzky, sobre o regresso de Pedro IV de Portugal e Pedro I do Brasil ao nosso país, de onde fugira das tropas francesas, para disputar a coroa portuguesa com o irmão.
Dez filmes a não perder
"Cesária Évora", de Ana Sofia Fonseca
Culturgest, 28 de abril, 21.30h
"Patti Smith, electric poet", de Sophie Peyrard e Anne Cutaia
São Jorge - Sala Manoel de Oliveira, 29 de abril, 21.30h
"Coma", de Bertrand Bonello
São Jorge 3, 30 de abril, 16.45h
"Nothing compares", de Kathryn Ferguson
São Jorge - Sala Manoel de Oliveira, 1 de maio, 19h
"Bad girls go to hell", de Doris Wishman
Cinemateca, 2 de maio, 15.30h
"Águas do Pastaza", de Inês T. Alves
São Jorge 3, 3 de maio, 14.30h
"Mato seco em chamas", de Adirley Queirós e Joana Pimenta
São Jorge - Sala Manoel de Oliveira, 3 de maio, 21.30h
"Love letter", de Kinuyo Tanaka
Cinema Ideal, 5 de maio, 20h
"O trio em mi bemol", de Rita Azevedo Gomes
Culturgest, 7 de maio, 18.15h
"Incroyable mais vrai", de Quentin Dupieux
São Jorge - Sala Manoel de Oliveira, 8 de maio, 19h