"Quebra de confiança na administração" motiva saída de todos os representantes dos trabalhadores da Função Centro Cultural de Belém, em Lisboa. A polémica já vem de trás.
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A Comissão de Trabalhadores da Fundação Centro Cultural de Belém (CCB) apresentou esta quinta-feira a demissão, considerando ter havido uma “quebra irreversível de confiança” na atual administração e na tutela.
A Comissão, constituída por um presidente e quatro vogais, refere “a sequência dos acontecimentos dos últimos sete meses, culminando no afastamento de Aida Tavares, constitui uma quebra irreversível de confiança na administração institucional e na tutela vigente, não se reunindo, por isso, quaisquer condições para dar continuidade ao diálogo aberto, independente e democrático que é princípio basilar da Comissão de Trabalhadores”.
A diretora de Artes Performativas do CCB, Aida Tavares, revelou na quarta-feira ter sido demitida pelo atual presidente do CCB, Nuno Vassallo e Silva, e pela vogal Madalena Reis, por telefone, “quando a ministra da Cultura [Dalila Rodrigues] já sabia que não ficava” com a pasta no novo Governo.
Numa mensagem divulgada ao final da tarde desta quinta-feira pelo gabinete de Dalila Rodrigues, a então ministra da Cultura declinou qualquer responsabilidade ou interferência no processo do CCB.
A Comissão de Trabalhadores lembra que o CCB “tem sido alvo de instabilidade” desde o final do ano passado, “desencadeada pela intervenção política na administração e na gestão interna da instituição”.
E refere dois acontecimentos: o primeiro em novembro de 2024, quando Dalila Rodrigues exonerou Francisca Carneiro Fernandes do cargo de presidente do Conselho de Administração da Fundação CCB, para o qual a gestora cultural do Porto tinha sido nomeada um ano antes pelo então tutelar da pasta da Cultura Pedro Adão e Silva. A sua demissão ocorreu uma dia antes do prazo obrigatório para pagamento de indemnização.
E o segundo “agora, com a conivência e passividade do Conselho de Administração, com o afastamento da diretora artística Aida Tavares”.
Aludindo a declarações tornadas públicas anteriormente, a Comissão destaca “o trabalho rigoroso e estratégico das duas figuras afastadas superiormente, com as mudanças estruturais que daí resultaram, deu novo fôlego ao projeto cultural do CCB, merecendo a valorização dos trabalhadores da casa”.
Considera que, “da parte tanto do Conselho de Administração como do Ministério da Cultura, a ordem de trabalhos se rege pela altercação permanente entre agentes políticos em plena luta de poderes, em total desrespeito pela equipa de trabalhadores da Fundação CCB, pela reputação da casa e pela missão cultural da instituição”.
Foi aberto concurso internacional
Entretanto, o CCB anunciou a abertura de concursos para a Direção Artística de Artes Performativas, cargo até agora ocupado por Aida Tavares, e Curador do Centro de Arquitetura do MAC/CCB, cargo que ocupa Mariana Pestana.
“Seguindo o mesmo modelo de contratação adotado para a Direção Artística do Museu de Arte Contemporânea MAC/CCB, será lançada uma ‘open call’ para a escolha da nova Direção Artística das Artes Performativas. Paralelamente, será aberto novo concurso externo para a posição de Curator do Centro de Arquitetura do MAC/CCB”, refere o CCB, num comunicado divulgado esta quinta-feira.
Estes recrutamentos, “de âmbito internacional, reforçam a missão e ambição da instituição de estimular a inovação e a elevada qualidade da programação artística, garantindo um diálogo permanente entre criadores nacionais e internacionais”.
Um historial de polémicas
No final de 2023, com a nomeação de Francisca Carneiro Fernandes para o cargo de presidente do Conselho de Administração do CCB, do qual foi exonerada um ano depois, passaram a existir naquela instituição duas unidades orgânicas: Artes Performativas e Pensamento e MAC/CCB.
Para a primeira unidade foi nomeada como diretora artística Aida Tavares, numa contratação direta em dezembro de 2023, e, para a segunda, Nuria Enguita, escolhida por concurso em março de 2024. O museu abriu em outubro de 2023 sem diretor.
Aida Tavares assumiu o cargo em 15 de dezembro de 2023, a convite de Francisca Carneiro Fernandes, uma contratação que visava acompanhar o novo “ciclo estratégico” da instituição.
A gestora cultural foi substituída no cargo de presidente do CCB pelo historiador Nuno Vasallo e Silva, decisão justificada pela tutela com a “necessidade de imprimir nova orientação à gestão da fundação”, “para garantir” que assegure “um serviço de âmbito nacional, participando num novo ciclo da vida cultural portuguesa”.
Dalila Rodrigues foi ouvida no Parlamento em dezembro a propósito da exoneração, tendo acusado o seu antecessor, Pedro Adão e Silva, de ter feito um “assalto ao poder” no CCB, garantindo “que acabaram os compadrios naquela instituição”.
As declarações da então ministra originaram pedidos de vários partidos para ouvir no Parlamento diversas personalidades ligadas ao CCB, incluindo Pedro Adão e Silva, Francisca Carneiro Fernandes e Aida Tavares.
Em fevereiro, Francisca Carneiro Fernandes negou no parlamento que a contratação da programadora Aida Tavares como diretora artística da instituição tenha sido uma imposição de Pedro Adão e Silva.
Dias antes, o antecessor de Francisca Carneiro Fernandes, Elísio Summavielle, referira que Pedro Adão e Silva lhe tinha sugerido a contratação de Aida Tavares, situação que foi o culminar de um caminho de divergências com o anterior Governo que o levou a decidir sair do CCB no final de 2023, antes do término do último mandato.
Francisca Carneiro Fernandes justificou a criação do cargo com o facto de considerar que “qualquer organização que programa artes performativas deve ter necessariamente uma direção artística profissional”, dizendo que não foi necessário iniciar funções “para saber que esse cargo não existia no CCB”.
Em relação ao “caso, ou casinho” de Aida Tavares, Elísio Summavielle escusou-se a fazer mais comentários, remetendo para as declarações da vogal Madalena Reis, na semana anterior na mesma comissão parlamentar.
Madalena Reis explicou que votou contra a contratação de Aida Tavares por sentir que “não havia necessidade de mudança”.
“Existia uma diretora de Artes Performativas. Não tinha exatamente o mesmo perfil, mas tinha funções muito similares. Com essa diretora construía-se uma programação que era partilhada com conselho de administração”, disse.
Declarações “totalmente descabidas”
Já Pedro Adão e Silva, o último a ser ouvido no âmbito da série de audições, defendeu que não se confirmaram as acusações de “assalto ao poder” feitas pela sua sucessora, Dalila Rodrigues.
Para Pedro Adão e Silva, as declarações “totalmente descabidas” da ministra da Cultura aconteceram “por dois motivos”: “Justificar uma exoneração que não teve coragem de assumir” e tentar “ocultar o ano perdido para as políticas culturais que foi o seu mandato”.
Pedro Adão e Silva explicou as declarações da ministra da Cultura como “um mecanismo de projeção: quem diz é quem é”, referindo que as pessoas nomeadas por Dalila Rodrigues para vários cargos têm “todas ligações ao PSD”. “Não fiz uma nomeação ligada ao PS”, disse.
Além disso, são “tudo pessoas com o mesmo perfil da ministra”, que é historiadora.