Do Líbano chega-nos “Sujo, Difícil, Perigoso”, a partir desta quinta-feira nos cinemas.
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Poderão dois seres amar-se em liberdade, no mundo em que vivemos? A resposta, num primeiro tempo, de uma pérola que nos chega hoje vinda do Líbano, encerra-se no seu título, “Sujo, Difícil, Perigoso”.
Ela é etíope. Trabalha em casa de uma mulher cujo marido está demente. Chegou de uma “agência” de recrutamento de emigrantes para este tipo de trabalhos, mas que fica com os seus passaportes e tem no escritório uma espécie de cela para os “mal comportados”. Quando se descobre que anda a ver um homem, a dona da casa fica-lhe com o telefone, falando sob escuta com a mãe, que na Etiópia quer arranjar-lhe um marido à força, para que ela regresse a casa.
Do outro lado está um jovem sírio, chegado a Beirute em fuga da guerra, dorme à vez em blocos de quatro horas num abrigo improvisado, é alvo de xenofobismo e tem de suportar um recolher obrigatório só para quem vem do seu país.
A chegada de uma nova criada, esta vinda do Bangladesh, e a quem a patroa dá logo um novo nome, “mais fácil de dizer”, vem alterar por completo a equação, e os dois amantes veem-se em fuga, num país que não é o seu…
Com este contexto social e político, o libanês Wissam Charaf, que apresentou o seu filme no Festival de Veneza de 2022, podia enveredar por um drama social duro, à medida dos irmãos Dardenne, preferindo, pelo contrário, um mais delicado mas não menos eficaz tom de denúncia, à maneira de um Elia Suleiman ou de um Aki Kaurismaki.
O filme, escrito também pelo seu realizador, está cheio de camadas que se vão entretecendo: o racismo latente na sociedade libanesa, a denúncia da hipocrisia dos media e dos apoios humanitários, o desmascarar das redes de tráfico de órgãos ou de falsa documentação.
Ou de personagens que vão expelindo metal do corpo após levarem com uma bomba que os deveria ter morto. Morto-vivo é também uma das personagens, um Nosferatu libanês, como o fora César Monteiro entre nós, em homenagem a que não falta os tons de amarelo.
No final, as personagens centrais dão mais um passo, mas em que sentido? Não é fácil ser otimista no mundo de hoje. Resta-nos o cinema, e o amor.
