“Cratera” é a continuação de jornada da companhia de teatro que se quer imbricar com a Terra. A peça estreia esta quinta-feira no Teatro São João, no Porto, e tem récitas diárias até domingo.
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Foi na Ilha do Fogo, em Cabo Verde, que os Circolando pesquisaram sobre a matéria (incandescente) que agora escorre no palco do Teatro Nacional São João, no Porto. André Braga, que dirige “Cratera”, fala em “geopoética”, “gramática de sensibilidade”, “respiração topográfica”.
É a continuação dessa jornada dramatúrgica que se imbrica com os elementos e que teve em “Climas” (2016) a sua concretização mais ampla. Talvez a companhia tenha intuído algo semelhante ao que diz Vincent Munier, fotógrafo da vida selvagem e um dos realizadores do sublime “La panthére de neige”: “Estamos a deixar de ser animais. Atiram-nos para uma floresta e já não sabemos usar os sentidos”.
“Cratera” é um espetáculo sobre os sentidos. Sobre a convivência com algo que é a origem e o fim – o vulcão, extremo de uma realidade cada vez mais distante e desconhecida: a natureza, os elementos. Pelo menos para os europeus, diz André Braga. “Os povos do Sul têm uma interação mais sábia com o que os rodeia”.
É dessa procura de uma relação com a terra que emanam os movimentos de “Cratera”, espetáculo cerzido entre a dança, a performance e o texto-paisagem – aquele em que as palavras não remetem para qualquer ação ou narrativa, são elas próprias o pulsar significante; daí a repetição de vocábulos como “poeira”, “cinzas”, “pedra”; além da musicalidade que gera, a repetição aproxima-nos das coisas.
Há uma espécie de manto insuflável no centro da cenografia, matéria que se transforma sob a ação dos performers e que influi nos seus movimentos. Há enleio e espasmos, hipnose e catarse. Corpos à procura de um signo orgânico, como pedia Grotowski. Um espaço cénico que convida a abandonar o logos e a seguir viagem pelos sonhos e pelo imaginário. A reaprender a estar na Terra, a dar importância ao ar.
Com menos camadas e impacto do que “Climas”, “Cratera” é uma observação mais específica: não convoca todo o globo, apenas esse lugar que dá sinais ao homem antes de se tornar mortífero e que é também promessa de fertilidade.
"Cratera" estreia esta quinta no Teatro São João e tem récitas diárias: sexta às 21 horas, sábado às 19 horas e domingo as 16 horas.